O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA
SUA VIDA
(Por Clóvis Campêlo) O
sonho fora terrível: dois operários em construção, amarrados e com os braços
abertos, eram espancados em praça pública, pelos companheiros de obra, até a
morte. Do outro lado da rua, sobre o lixo de um terreno baldio, um bebê de
cabelos louros e encaracolados chorava, abandonado.
Deitara
cedo, é verdade, e não conseguia entender porque sonhara aquele sonho estranho,
em plena madrugada, quando o dia já começava a raiar.
Levantou
da cama e olhou para a companheira que, bela, ressonava, tranquila, o sono dos
justos. Era sempre assim: lutava contra a insônia e os pesadelos, enquanto ela
dormia com a maior facilidade.
Durante
anos se perguntara o por que disso, da insônia, da angústia. De nada adiantaram
os anos de terapia ou mesmo os soníferos usados durante um certo tempo. Sabe lá
Deus, quantas noites passadas em claro, nos últimos anos, ou dormindo mal e
sonhando besteiras como as que sonhara há pouco.
Foi
até a cozinha e colocou a água do café no fogo. Quando ela acordasse, o café já
estaria pronto. Ao menos para isso, a insônia serviria. Pôs o pó do café no
coador (detestava as cafeteiras que ferviam o pó junto com a água) e a água
quente sobre ele, deixando o delicioso aroma invadir todos os cômodos do
apartamento.
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Logo
ela acordaria, e repetiria a invariável pergunta: “Dormiu bem hoje?”. Já se
acostumara com isso. Perguntava-se por que a repetição inútil da indagação.
Tanto quanto ele, ela sabia da sua incapacidade de dormir bem. Sabia dos seus
pesadelos e dos seus surtos depressivos.
Quando
a ela dizia isso, alegando a inutilidade da pergunta, sempre respondia:
“Lembre-se que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida e nele você tem a
obrigação de ser feliz. Esqueça o ontem e o amanhã. Concentre-se no agora.
Liberte e libere as endorfinas”.
Odiava
esse discurso otimista, mas como gostaria que ela estivesse certa.
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