O MAIOR LIVREIRO DO BRASIL
Quem
com ele troca idéias e palavras, fica com a certeza de que se trata de uma
pessoa racional e atenta aos conceitos do mundo moderno. Para consolidar essa
impressão, define-se como "um homem de esquerda", que cita Marx e
Lennin nas suas falações.
No
seu box, na Praça do Sebo, porém, mantém um eclético santuário onde convivem,
em perfeita harmonia, as imagens de Padre Cícero, N. Sª. Aparecida, Exu
Tranca-Rua, Pomba-Gira e do Cabloco Pena Branca, entre outros. Um pouco de fé
mística, afinal, não faz mal a ninguém.
Grande
conhecer da música brasileira das décadas de 40 e 50, também navega com certa
desenvoltura pelas águas da Bossa Nova e do Tropicalismo. Em relação à música
pernambucana, prefere Nélson Ferreira à Capiba e faz críticas moderadas ao
Movimento Mangue, sem nenhum xenofobismo, "pelo excesso de
anglicismos".
Crítico
pertinaz da falta de sensibilidade dos órgãos oficiais de cultura, está sempre
cercado de bonitas secretárias e ultimamente adotou a fotografia como
passatempo.
Foi
com essa figura ímpar, chamada Melquisedec Pastor do Nascimento, o maior
livreiro do Brasil, que iniciamos uma série de depoimentos para o fanzine
Pipoca Moderna.
Melquisedec e João Câmara na Praça do Sebo
Fotografia de Clóvis Campêlo/1991
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A ORIGEM
"Sou
recifense, nascido dentro dos mangues do bairro dos Afogados, no dia 3 de
janeiro de 1921. Minha instrução começou numa Escola Particular Mixta, onde me
desasnei aprendendo a ler na Carta de ABC de Landelino Rocha. Eis aí todo o meu
currículo escolar. Extremamente pobre, minha mãe, que me criou sozinha, dizia:
"Entre estudar e trabalhar, não podendo fazer os dois, trabalhe-se!".
Passei a trabalhar e a estudar na escola da vida".
A PROFISSÃO
"Habituei-me
a ler lendo folhetos de feira, almanaques de farmácia e jornais, estes motivado
pelo retrato da vítima. Depois revistas, depois livros. A curiosidade por
esses, levou-me ao sebo do negro Manoel Berlamino da Silva, o qual me iniciou
na profissão, levando-me a vir a ser o maior livreiro do Brasil. O meu
reconhecimento da importância do comércio de livros usados e a minha dedicação
a ele, deram-me esse laurel. Considero minha profissão a mais digna de todas as
profissões".
OS PROBLEMAS
"Os
poderes públicos têm coisas mais nobres com que se preocuparem... Os sebistas
do Recife transbordaram da Praça do Sebo e espalharam-se pelo centro da cidade,
vivendo como Deus é servido... Como sebistas, alfarrabistas, antiquários ou
libervelheiros o que é positivo é dignamente semear livros. Efetivamente,
apenas o Dr. Gustavo Krause foi sensível ao comércio de livros usados aqui no
Recife, agrupando os sebistas no Mercado de Livros Usados. Os poderes públicos
não são sensíveis à problemática da educação, sequer..."
IDEOLOGIA
“Sensível
à questão social desumana, tornei-me um homem de esquerda, a única pauta para
julgar a conduta humana, verificar se contribui ou se opõe à causa do
socialismo".
A SITUAÇÃO DO PAÍS
"A
situação política e cultural do país despenca e não vejo nada que esteja se
fazendo para ampará-la. A solução seria criar escolas primárias para oferecer
instruções sobre patriotismo. E que os dirigentes criassem vergonha na
cara."
CLÓVIS CAMPÊLO |
A PRAÇA DO SEBO
"A
Praça do Sebo ou corretamente o Mercado de Livros Usados do Recife, foi o
movimento mais promissor para a cultura que se fez nesta cidade. Reuniu-se em
local digno sebistas precariamente instalados aqui e ali. Eram pequenos
comerciantes que, mais ou menos, contribuíam para a continuação desse comércio,
então um tanto estagnado. Contamos com a iniciativa e o apoio de Liêdo
Maranhão, Francisco Balthar Peixoto, Paulo Roberto de Barros e Silva e Edson
Wanderley, entre outros, simpáticos a esse comércio cultural. O então prefeito
Gustavo Krause determinou a construção. Foi feito um convênio entre os sebistas
e a Prefeitura. Infelizmente as administrações Jarbas Vasconcelos
encarregaram-se de não cumpri-lo. Hoje, a situação da Praça do Sebo é
deprimente para a educação e a cultura recifenses. A solução seria a Prefeitura
cumprir as exigências que lhe impõe o convênio estabelecido por ela mesmo para
o funcionamento do Mercado de Livros Usados do Recife".
MENSAGEM FINAL
"Para
finalizar, uma mensagem aos leitores pipoqueiros: é preciso ler, é preciso ir
aos sebos, santuários de raridades bibliográficas a preço de sebo. Além do
mais, é preciso entender que o conceito ideal de cultura é personalizar o
indivíduo, desenvolver o raciocínio e a imaginação. Integrá-lo na educação e na
cultura, refinar-lhe o espírito. Prepará-lo para a vida".
Recife,
1997
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