BUR(R)OCRATA
Otávio Nunes é jornalista |
(Por Otávio Nunes) Planílio
chegou cedo à sua sala, antes mesmo da secretária. Sentia-se preocupado. Mesmo
assim ligou o computador e passou a analisar os relatórios de produção. Notou
que havia seções e pessoas que não acompanhavam o ritmo geral da empresa. Era
necessário mudar o processo, trocar empregados de cargos, demitir outros.
Novamente,
sentiu algo estranho na cabeça, sem entender o que ocorria. Sempre fora
profissional ativo, ambicioso, audacioso. Jamais tivera problemas de escrúpulos
ao mandar empregados embora, transferi-los de um local para outro, sugerir o
corte do cafezinho ou mesmo a compra de um papel higiênico de qualidade
inferior. Valia tudo para reduzir os custos e aumentar a produção. Seus patrões
elogiavam suas decisões na empresa.
No
último ano, reduzira o quadro de funcionários em 30%. Os que ficaram faziam o
trabalho de dois ou três. Era comum seus subordinados deixar o serviço tarde da
noite, exaustos. Ele, Planílio, também dava seu sangue em prol da produção e da
qualidade do que ali se fabricava. Dormia tarde da madrugada e acordava cedo,
ávido por chegar ao escritório e analisar os relatórios.
Sabia
de tudo. Conhecia os atrasos dos empregados, suas idas ao banheiro, formação de
rodinhas de papo durante o expediente. Analisava seus relatórios de modo frio.
Se o funcionário estava gripado e produzia menos, pouco se lhe dava. Se o
sujeito tinha se separado da mulher, não lhe interessava.
Raramente
descia ao chão de fábrica para ver os funcionários produzir. “Enxergava” tudo
isso nos relatórios. Para que ver a fábrica, se os números lhe bastavam. Mexia
pessoas e equipamentos de dentro de sua sala, sempre baseado em seus
relatórios.
Foi
até a janela e respirou fundo, como se sentisse falta de oxigênio. Não conseguia
entender porque estava daquele jeito. Fechou os olhos na tentativa de entender
o motivo de tanta angústia. Pela sua mente passaram máquinas, dinheiro,
automóveis, homens e mulheres correndo para lá e para cá a gritar “pare de
mexer com nossas vidas como se fôssemos números”.
Planílio
não se conteve. O desespero foi tamanho que ele saltou da janela, do oitavo
andar do prédio da companhia. Por ser burocrata, levou quinze dias para chegar
ao solo e outros trinta para morrer.
UAU! Magnífico texto!
ResponderExcluir