quarta-feira, 10 de junho de 2015

SÓ DUAS GOTINHAS, DOUTOR


A música é clara: perdão foi feito pra gente pedir. Todo mundo também sabe que é melhor pedir que roubar, muito embora esta pareça ser uma prática mais lucrativa que aquela. Ao menos entre nós. Mas o exagero, sempre ele, e a falta de critérios, sempre ela, costumam colocar tudo a perder. Como levar a sério um cidadão que vive pedindo desculpas pelos mesmos erros de sempre? Das duas, uma: ou o tipo é leso, ou despudorado.

Tenho pra mim que quem muito pede nada leva, além de torrar a paciência alheia. Ou seja: chora muito, mama pouco. Conheci um sujeito assim, radialista. Não sei se ele está vivo ainda. Era um pidão profissional. De nada adiantava lhe dizer:

– Infelizmente, não tenho como ajudá-lo.

A resposta vinha rápida, feito flecha, junto com a lista de pedidos:

– Você é que pensa. Sempre é possível ajudar um amigo.

Invencível. Certa feita – eu não presenciei a cena, mas não tenho razões para duvidar de que ela não tenha ocorrido –, ele abordou o secretário de Estado que acabara de dar uma entrevista à rádio em que trabalhava. Pediu de tudo ao homem – de emprego para a filha a casa popular para a ex-mulher. Ante as sucessivas negativas, partiu para o penúltimo ataque:

– Tudo bem, doutor. Então, me arrume um cigarro.

– Eu não fumo, respondeu sua Excelência.

– E o que o senhor tem no bolso da camisa?

– Colírio.

– Preciso de duas gotas. Pode ser?

(maio/2013)


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