FOTO: CLÓVIS CAMPÊLO/1991 |
O ÚLTIMO SONHO
Uma
casa à beira-mar tem sido o meu último sonho. Uma casa simples e rústica onde
poderíamos escutar a música dos ventos e os murmúrios do mar.
Nas
noites de verão, conversaríamos com as estrelas enquanto a brisa marinha nos
acariciaria as faces. Deslumbraríamo-nos com o balé dos coqueiros, projetados
no chão pela luz de prata do luar, e deixaríamos o olhar se perder horizonte à
dentro, a procura de um sinal, um vulto, navios fantasmas ou algum pescador
solitário em busca do caminho de casa.
Nos
levantaríamos, pela manhã, e saudaríamos o sol, que nos aquece e alimenta de
energia, todos os dias, na sua incansável rotina da criação. Observaríamos a
alegria se espalhando pelo verde do mar e pelo azul celeste e distinguiríamos
todos os raios, um a um, assim como todas as nuvens. Caminharíamos pela praia e
deixaríamos que o mar nos lavasse os pés, enquanto o sol se derramaria sobre as
nossas costas e cabeças. Seríamos capazes de percebermos os mínimos movimentos,
as mais sutis reações se processando no nosso corpo, na nossa pele, cabeça, no
movimento das águas, dos ventos e entenderíamos que tudo isso é a vida fluindo,
oferecendo-se e, ao mesmo tempo, escorregando entre os dedos. Entraríamos na
água, qual viagem de retorno ao ventre da Mãe Natureza e nos deixaríamos
purificar pelo sal do Senhor, todas as moléculas, todos os cristais em sintonia
com o fluxo sanguíneo, dois oceanos vibrando na mesma frequência, na mais
completa harmonia.
CLÓVIS CAMPÊLO |
À
tarde, colheríamos conchas nas areias mornas e escutaríamos histórias contadas
por velhos pescadores.
E
quando o inverno chegasse desbotando todas as cores e tornando tudo cinzento,
escutaríamos o barulho da chuva no telhado e observaríamos a dança dos pingos
sobre a areia, saciando a sede da terra e completando o ciclo das águas.
Os
nossos olhares seriam mais brandos, a nossa mesa seria a mais simples e
natural, dos nossos corpos magros emanaria um sentimento de paz e compreensão,
e as nossas tireóides, com certeza, funcionariam um pouco mais devagar.
Recife,
1986
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