sábado, 27 de junho de 2015

CLÓVIS CAMPÊLO

FOTO: CLÓVIS CAMPÊLO/1991

O ÚLTIMO SONHO

Uma casa à beira-mar tem sido o meu último sonho. Uma casa simples e rústica onde poderíamos escutar a música dos ventos e os murmúrios do mar.

Nas noites de verão, conversaríamos com as estrelas enquanto a brisa marinha nos acariciaria as faces. Deslumbraríamo-nos com o balé dos coqueiros, projetados no chão pela luz de prata do luar, e deixaríamos o olhar se perder horizonte à dentro, a procura de um sinal, um vulto, navios fantasmas ou algum pescador solitário em busca do caminho de casa.

Nos levantaríamos, pela manhã, e saudaríamos o sol, que nos aquece e alimenta de energia, todos os dias, na sua incansável rotina da criação. Observaríamos a alegria se espalhando pelo verde do mar e pelo azul celeste e distinguiríamos todos os raios, um a um, assim como todas as nuvens. Caminharíamos pela praia e deixaríamos que o mar nos lavasse os pés, enquanto o sol se derramaria sobre as nossas costas e cabeças. Seríamos capazes de percebermos os mínimos movimentos, as mais sutis reações se processando no nosso corpo, na nossa pele, cabeça, no movimento das águas, dos ventos e entenderíamos que tudo isso é a vida fluindo, oferecendo-se e, ao mesmo tempo, escorregando entre os dedos. Entraríamos na água, qual viagem de retorno ao ventre da Mãe Natureza e nos deixaríamos purificar pelo sal do Senhor, todas as moléculas, todos os cristais em sintonia com o fluxo sanguíneo, dois oceanos vibrando na mesma frequência, na mais completa harmonia.


CLÓVIS CAMPÊLO

À tarde, colheríamos conchas nas areias mornas e escutaríamos histórias contadas por velhos pescadores.

E quando o inverno chegasse desbotando todas as cores e tornando tudo cinzento, escutaríamos o barulho da chuva no telhado e observaríamos a dança dos pingos sobre a areia, saciando a sede da terra e completando o ciclo das águas.

Os nossos olhares seriam mais brandos, a nossa mesa seria a mais simples e natural, dos nossos corpos magros emanaria um sentimento de paz e compreensão, e as nossas tireóides, com certeza, funcionariam um pouco mais devagar.

Recife, 1986




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