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OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
LILI ERVA-DOCE
(Por Otávio Nunes) Da primeira vez que Lílian entrou aqui, na padaria, notei que era
diferente das demais meninas que trabalham nesta rua. Ela é educada, raramente
fala palavrões, não fuma, é cheirosa e seus cabelos estão sempre molhados como
se saísse do banho a cada minuto. Suas roupas, embora das mais baratas, se
amoldam perfeitamente ao seu corpo, como a casca na banana.
Quase todas as noites Lili chega ao balcão e me pede média e pão com
manteiga. Disfarçadamente, reparo em suas unhas esmaltadas de vermelho. Seu
decote generoso, então, é tão convidativo que só falta o tapete vermelho.
Admiro seus lábios carnudos feitos gomos de mexerica e até seu nariz que brilha
sob a luz da lâmpada. Depois ela sai, rebolando espontaneamente com sua bolsa
preta. Acredito que deva ter vários clientes entre os homens que param seus
carros na calçada à procura de bons programas noturnos.
Conversamos pouco. Aliás, não sou de muito assunto. Minha vida é
como um trem, sempre no mesmo trilho, mesma paisagem, iguais estações.
Confesso, porém, que a chegada de Lili encharcou minhas noites de alegria. É
bom ver seu sorriso, como criança brincando numa manhã de domingo. Sem que meu
patrão veja, às vezes nem cobro o que ela consome no balcão.
Fiquei sabendo, por uma das garotas, que Lili veio há pouco do
interior, brigada com os pais. Nesta cidade enorme, o único emprego que arrumou
foi este, que não exige carteira assinada ou experiência anterior, somente o
corpo e a coragem.
Um dia ela irá embora, como todas as outras. Tenho certeza. Por ora,
admiro seu vulto alumiar a rua, refletir o brilho da lua e deixar um aroma de
erva-doce no ar. Enquanto isso, eu vou servindo café e cigarro para as meninas,
cachaça para os bêbados e um cálice de sonho para mim mesmo.
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