MARX, POR CÁSSIO LOREDANO |
O DIA EM QUE MARX RESSUSCITOU
Em meados de setembro de 2008, havia muito mais rolhas
de espumante no lixo de Porto Alegre e, presumo,
em todo o país. Festejavam a ressurreição do camarada Marx
Talvez menos por Marx e mais pelo fim de capitalismo, abriam-se
garrafas como quem liberta o pensamento para os vapores da utopia. A imaginação
conduzia a delírios de prazer com a antevisão de bancos quebrando, empresas
fechando portas, filas quase soviéticas às portas das padarias, pedintes nas
ruas e multidões no seguro desemprego e no Bolsa Família. Seria a afirmação do
papel do Estado como grande pastor do povo, na uniformidade obediente da
miséria. Justiça e igualdade servidas em fumegantes conchas no grande sopão do
socialismo. O maldito capitalismo, enfim, estertorava.
“Quando aconteceu isso?”
perguntará o leitor destas linhas. Assisti a essas comemorações da esquerda em
Porto Alegre, mas elas se devem ter reproduzido em todo o Brasil por ocasião do
tsunami que atingiu a economia mundial na crise causada pelo descontrole na
emissão de créditos imobiliários no governo Bush. Com o pedido de falência do
banco Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, a palavra subprime explodiu nas manchetes e telas de TV. No dia seguinte, a
água bateu no queixo da maior seguradora norte-americana, a AIG, e já não se
falava noutra coisa... O sistema financeiro estava desabando em cascata. A
economia capitalista mergulhava e era incerto se havia oxigênio suficiente nos
pulmões.
Enquanto, no mundo inteiro, os governos e empresas apertaram o cinto
preparando-se para as incertezas da travessia, aqui no Brasil, lembro bem,
houve duas reações simultâneas e diferentes. A mais conhecida foi a de Lula,
então no seu segundo mandato, período em que começou a se ver como uma
divindade. Quando advertido para o que estava acontecendo e sobre a
inconveniência de assumir compromissos onerosos como a Copa de 2014 e os Jogos
Olímpicos de 2016, Lula desprezou a crise dizendo que, no Brasil, o tsunami era
simples marolinha. Seguiram-se anos de multibilionária transferência de
recursos para os companheiros do setor público e do setor privado nacional,
para a turma do Foro de São Paulo e para parceiros ideológicos africanos.
Marolinhas não intimidavam Lula.
Essa foi a mais trágica das reações brasileiras à crise da economia
mundial em 2008 e nos anos seguintes. A outra, jocosa, é a que trago à reflexão
dos leitores. Naquelas noites, em meados de setembro de 2008, havia muito mais
rolhas de espumante no lixo de Porto Alegre e, presumo, em todo o país.
Festejava-se a ressurreição do camarada Marx. Enfim o trem da história chegara
à estação onde o velho alemão, determinado e confiante, esperava por ele.
Cumpriam-se os fados e a História se curvava às previsões do profeta.
Estou jogando palavras, de fato. No entanto, elas caem sobre
realidades que vi há quase dez anos e a elas se moldam. Com vocábulos piores,
era isso que muitos diziam, naqueles dias difíceis, sobre o que estava em curso
nos centros vitais do organismo capitalista, os infernos liberais dos Estados
Unidos, Reino Unido e Alemanha. Dez anos depois, o trem passou e a história
seguiu seu curso no mundo livre. O petismo produziu no Brasil seu próprio
tsunami financeiro e moral. A Venezuela é a mais recente experiência fracassada
de comunismo e as economias capitalistas prosperam como há muito não acontecia.
Quem tiver condições avise o Marx que ele perdeu o trem.
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Percival Puggina
(73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e
sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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