O Rio continua lindo, mas está no fundo do poço Ilustração: Juliano |
O RIO DE JANEIRO E AS BARATAS
Para que efeitos da intervenção sejam estruturais,
serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia
Por Gil Castello Branco
O Globo – 19/02/2018
A intervenção federal no Estado do
Rio de Janeiro já deveria ter ocorrido há mais tempo — e não apenas na
segurança pública —, tendo em vista a putrefação das finanças, da política e a
crescente convulsão social.
Há pouco mais de um ano, o estado
autodeclarou a sua penúria. Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a
relação entre a despesa com pessoal e a receita corrente líquida (RCL) no Poder
Executivo deveria ser de 49% e estava em 61,73% ao fim de 2017. Na mesma época,
a Dívida Consolidada Liquida — que deveria corresponder a, no máximo, 200% da
RCL — estava em 232,06%. O descumprimento da LRF era camuflado nas informações
oficiais, sistematicamente maquiadas. O ajuste fiscal promovido em 2017, alardeado
pelo governador, foi uma imposição da Secretaria do Tesouro Nacional, a duras
penas aceito pelo estado, unicamente porque não havia outra saída. A verdade é
que o Rio de Janeiro já estava quebrado pela má gestão e pela corrupção.
De lá para cá, além dos indicadores
fiscais, o que já era ruim ficou pior. Foram presos governadores, políticos e
conselheiros do Tribunal de Contas. Arrastões, roubos e comércio de cargas
roubadas, interrupções de vias públicas, invasão do Maracanã, tiroteios,
assassinatos de policiais e até crianças mortas por balas perdidas passaram a
fazer parte do cotidiano do carioca.
A população passou a conviver com a
calamidade pública e, é obvio, receberá, de braços abertos, mais uma vez, as
Forças Armadas. Resta saber, porém, se o efeito será apenas — como das vezes
anteriores — o de uma dedetização mal feita, em que os insetos apenas se
deslocam temporariamente para as áreas vizinhas e depois retornam.
Castello Branco é economista e fundador da ONG Associação Contas Abertas Foto: Instituto Millenium |
Para que os efeitos sejam
estruturais, serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia, a
reconstrução e integração das polícias Civil e Militar, o combate intenso ao
tráfico de drogas e de armas, a desestruturação das milícias e o enfrentamento
rigoroso à corrupção dentro do próprio aparato policial.
Por outro lado, a anarquia no Rio
de Janeiro, cujo ápice ocorreu no carnaval, foi um “achado político” para Temer
e o MDB. A intervenção desviou o foco da fracassada reforma da Previdência, da
crise fiscal e dos casos de corrupção que os envolvem e poderá melhorar a imagem
do partido, caso os militares reduzam o caos. Na imagem de um boxeador que
vinha sendo impiedosamente surrado no canto do ringue, Temer saiu das cordas.
Mas daí a dizer que poderá ganhar a luta em outubro, como alguns assessores já
preveem, vai uma distância imensa...
O que preocupa no que diz respeito
à intervenção é, justamente, a “pirotecnia política”, que já se faz notar. A
criação de um ministério extraordinário para a Segurança Pública é um exemplo.
Afinal, o ministério atualmente existente já se chama Ministério da Justiça e
da Segurança Pública e abriga os órgãos relacionados ao tema, como Polícia
Federal, Polícia Rodoviária Federal, Fundo Penitenciário e Fundo Nacional de
Segurança Pública.
Temer. Por Amarildo |
Apesar do repentino interesse das
autoridades pelo setor, de 2016 para 2017 as aplicações federais em todo o país
para investimentos (obras, aquisição de equipamentos etc.) na função “segurança
pública” foram reduzidas de R$ 1,1 bilhão para R$ 869,5 milhões, em valores
correntes efetivamente pagos. No Orçamento de 2018, recém-aprovado pelo
Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Temer, os investimentos
autorizados na função segurança pública somam R$ 1,3 bilhão, enquanto o valor
aprovado em 2017 chegou a R$ 1,7 bilhão. Ou seja, os políticos correm, agora,
para aumentar o que recentemente diminuíram. E cairá, como sempre, no colo da
União a conta do descalabro político-financeiro do Estado do Rio de Janeiro.
Outros estados certamente
reivindicarão auxílios semelhantes, até porque também possuem problemas
relacionados à segurança pública. Paradoxalmente, o governo do Rio não possui
verbas para consertar e abastecer as viaturas policiais, mas tem um estádio de
futebol e um parque olímpico de primeiro mundo.
Um dos mais importantes filósofos
do século XIX, Friedrich Nietzsche, dizia: “Os políticos dividem os seres
humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”. Assim sendo, sobretudo em
ano eleitoral e diante do caos que assola o estado, os cidadãos precisam estar
atentos e cobrar providências definitivas. Da intervenção federal, comandada
por um general, esperam-se resultados muito melhores do que aqueles que as
operações “espalha barata” produziram na ocasião dos grandes eventos realizados
no Rio.
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