Ilustração: Lézio Júnior |
MUITO ALÉM DA CORRUPÇÃO
A despesa exceto juros do governo federal passou
de 14% do PIB em 1991 para 24% do PIB em 2016,
antes de ceder um pouco em 2017
Por Fabio Giambiasi
O Globo – 06/02/2018
É famosa a frase do jornalista americano Henry Louis Mencken de que
“para todo problema complexo, há uma solução que é simples, elegante e errada”.
A frase me veio à memória tempos atrás quando estava aguardando o elevador,
carregando um livro que discutia por que a economia brasileira crescia tão
pouco. Uma pessoa leu o título do livro e comentou: “Por que o Brasil cresce
pouco? Ora, é simples: pela corrupção!”.
Não há dúvida de que a corrupção é uma chaga. Ela castiga o país de
três formas. Primeiro, pela drenagem de recursos públicos que provoca. Segundo,
porque devemos ser um dos países com a maior proporção de pessoas no mundo
dedicadas a “esquemas”, sejam municipais, estaduais ou federais, o que é uma
distorção alocativa dramática comparativamente às riquezas genuínas que esses
indivíduos poderiam gerar caso se dedicassem a atividades legais e produtivas.
E terceiro, o que talvez seja o mais grave, pelo efeito moral deletério que
exerce sobre a cidadania.
Num país normal, as autoridades deveriam dar o exemplo e ser o
espelho no qual cada habitante deveria se olhar procurando fazer o melhor para
o seu país. No Brasil, porém, quando o indivíduo olha para a realidade que o
cerca, é inescapável se lembrar, para quem a conhece, da frase de Rui Barbosa,
de que “de tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra;
de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas
mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter
vergonha de ser honesto”.
Dito isso, porém, e ressalvados o mal que os problemas desvendados
pela Lava-Jato causaram e o papel positivo que a ação da Polícia Federal, do
Ministério Público e da Justiça tem tido para construir um país melhor, a ideia
de que a causa principal dos males do Brasil é a corrupção é um equívoco.
Insisto com três dados que nunca me canso de repetir. O primeiro, que a despesa
exceto juros do governo federal passou de 14% do PIB em 1991 para 24% do PIB em
2016, antes de ceder um pouco em 2017. O segundo, que a idade em que as pessoas
se aposentam por tempo de contribuição no Brasil é de 53 anos para as mulheres
e 55 para os homens. E o terceiro, que a preços de 2018, deflacionada pelo
deflator do PIB com uma estimativa para o ano em curso, a despesa do INSS, que
foi de R$ 190 bilhões no começo da estabilização, em 1995, será de mais de R$
580 bilhões em 2018. Mais um dado para informação do leitor: o que se gasta com
benefícios assistenciais de um salário mínimo é equivalente a seis vezes o
total do investimento do governo federal. Nada disso tem a ver com corrupção, e
sim com um país onde muitas pessoas se aposentam cedo, os recursos públicos são
pessimamente utilizados e que é pouco propenso a aceitar as regras da
competição como algo associado ao sucesso dos indivíduos, das empresas e dos
países.
Fabio Giambiagi é economista/YouTube |
Tomemos um exemplo prosaico. Pensemos no João, um caso de
trabalhador comum. Tendo sido um aluno fraco, abandonou há pouco mais de dez
anos o ensino médio com notas baixas. Aos 30 anos, não consegue se firmar em
empresa alguma e já acumula dois períodos de recebimento do seguro-desemprego
durante alguns meses. A essa idade, já tem dois filhos de dois casamentos, e
sua atual namorada está esperando o terceiro. O trabalho que fazia já passou a
ser feito por máquinas em duas oportunidades. No primeiro caso, porque lançava
dados como digitador de informações numa empresa que hoje captura as
informações no sistema. No segundo, porque o trabalho manual como operário numa
planta, agora é feito por um pequeno robô.
Sem maiores qualificações, vive pulando entre uma ocupação e outra,
com salários que variam de R$ 1.500 a R$ 2.000. Provavelmente, ele se indigna,
com razão, ao ler o noticiário sobre a profusão de escândalos do país.
Infelizmente, porém, mesmo que tivéssemos padrões escandinavos de gestão da
coisa pública, a realidade nua e crua é que João está desaparelhado para
enfrentar a competição no mundo de hoje. Isso requer uma macroeconomia
saudável, uma educação de qualidade e um ambiente econômico onde, como diz um
amigo economista, a empresa invista no empregado, e o empregado invista na
empresa. E isso vai muito além da corrupção. Não há saídas fáceis para o
Brasil.
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