terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

HORA DA VITROLA: SÉRGIO RICARDO

Sérgio Ricardo (Foto: arquivo Google)

PONTO DE PARTIDA
SÉRGIO RICARDO




Não tenho para a cabeça
Somente o verso brejeiro
Rimo no chão da senzala
Quilombo com cativeiro, olerê
Não tenho para o coração
Somente o ar da montanha
Tenho a planície espinheira
Com mão de sangue, façanha, olerê, olará
Não tenho para o ouvido
Somente o rumor do vento
Tenho gemidos e preces
Rompantes e contratempo, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida

Não tenho para o meu olho
Apenas o sol nascente
Tenho a mim mesmo no espelho
Dos olhos de toda gente, olerê
Não tenho para o meu nariz
Somente incenso ou aroma
Tenho este mundo matadouro
De peixe, boi, ave, homem, olerê, olará
Não tenho pra minha boca
Sagrados pães tão somente
Tenho vogal, consoante
Uma palavra entre dente, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida

Não tenho para o meu braço
Apenas o corpo amado
E assim sendo o descruzo na rédea
No remo e no fardo, olerê
Não tenho para a minha a mão
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos, olerê, olará
Não tenho para o meu pé
Somente o rumo traçado
Tenho improviso no passo
E caminho pra todo lado, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida.

****

Ponto de Partida (1976), de Gianfrancesco Guarnieri. Direção de Fernando Peixoto. Com Gianfrancesco Guarnieri, Martha Overbeck, Othon Bastos, Sérgio Ricardo e Sônia Loureiro.
Estreou em setembro de 1976, no Teatro de Arte Israelita Brasileiro. Na peça, Guarnieri volta à alegoria, depois de Um Grito Parado no Ar. Numa hipotética aldeia medieval, um poeta e humanista amanhece morto, misteriosamente enforcado na praça. Na peça, a hipocrisia prevalece, garantindo a impunidade dos assassinos. Tratava-se de uma parábola criada com o intuito de aludir à morte do jornalista Vladimir Herzog, no ano anterior. O espetáculo tem música de Sérgio Ricardo. Guarnieri arrebata os prêmios Molière, Governador do Estado, Mambembe e APCA de melhor texto. 

(Fonte: memoriasdaditadura.org. br)



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