Alerta aos turistas Foto: G17 |
FONTES DO DESASSOSSEGO
Jovens bandidos não se contentam mais em roubar.
O prazer maior é proporcionado pelo sadismo
com que agridem e até matam sem qualquer motivação
Por Zuenir Ventura
O Globo – 21/02/2018
A intervenção federal ainda requer
muita explicação, mas já se pode afirmar que uma das maiores dificuldades que a
medida vai enfrentar é a existência no Rio dos dois principais agentes da
desordem: o crime organizado e o crime desorganizado, o que age no atacado e o
que atua no varejo. O primeiro se dedica preferencialmente a grandes ações,
como tráfico de drogas, contrabando, assaltos a caminhões de carga, explosão de
caixas eletrônicos e rebelião nos presídios.
Tão ou mais bem armados do que a
polícia, os traficantes são os donos das favelas, exercendo sobre elas domínio
absoluto — territorial, político, econômico e militar. Antes, ainda tinham que
disputar a hegemonia com a milícia, mas hoje são parceiros, e a força do terror
duplicou.
Eles formaram um Estado paralelo
tirânico, que impõe suas leis seja por meio da extorsão — pedágios e tributos
sobre serviços como luz e gás —, seja por meio da execução dos que desobedecem
ou transgridem. Seus “tribunais” julgam, condenam e aplicam sentenças de morte.
Tudo isso é sabido, mas, como
ocorre do “outro lado” da cidade, não chega a assustar tanto quanto o crime
desorganizado, que neste verão, principalmente no carnaval, aterrorizou os
moradores do asfalto, com grupos de menores agindo em conjunto e praticando
pequenos furtos e roubos a pé ou de bicicleta, às vezes usando facas. Eles têm
promovido arrastões não só na praia, mas também em lojas, onde entram em
bandos, saqueiam rapidamente e saem, como fizeram no supermercado Pão de Açúcar
no Leblon.
Com mais frequência, porém, eles
agem nos calçadões e nas ruas da Zona Sul. Só na segunda-feira de carnaval, a
Delegacia de Atendimento ao Turista registrou 26 ocorrências. Dois italianos
foram feridos na cabeça; uma chinesa e uma alemã levaram socos no rosto, além
de chutes; uma argentina que passeava com um bebê foi jogada no chão.
Zuenir Ventura é jornalista |
Um vídeo flagrou a cena de uma
senhora de 58 anos em Ipanema. Ela chegava ao trabalho às 7h30m num condomínio,
quando foi atacada pelas costas por quatro bandidos. “Foi uma covardia o que
fizeram comigo”, ela contou, inconformada com a violência gratuita. “Por que
não me pediram para passar a bolsa? Eu entregaria. Não precisava ser agredida”.
Nos ataques a transeuntes, é essa a
característica: o requinte de crueldade. Os jovens bandidos não se contentam
mais em roubar. O prazer maior é proporcionado pelo sadismo com que agridem,
espancam e até matam sem qualquer motivação. É muito difícil prendê-los porque
se dispersam rapidamente após cada ação.
Não têm chefes, agem de modo
anárquico em bandos e por conta própria, numa espécie de versão tupiniquim dos
“lobos solitários”. Será que a intervenção federal tem algum plano para secar
essas fontes de nosso desassossego?
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