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FICHA SUJA
O nome “melhor colocado nas pesquisas” não estará
na “lista de candidatos”, exclama o círculo do ex-presidente.
E daí? O que uma “pesquisa” tem a ver com a execução da lei?
Por J. R. Guzzo
Instituto Millenium
06/02/2018
Que história é essa? Quer dizer que
no Brasil de hoje os tribunais mais elevados do Poder Judiciário podem escolher
entre aplicar ou não aplicar a lei? Pelo que estão dizendo por aí, é isso
mesmo. O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal
Superior Eleitoral têm diante de si, ao longo do futuro próximo, precisamente
esta tarefa prodigiosa. Vão ver se, no caso da condenação do ex-presidente
Lula, a lei que está em vigor vale ou não vale. É uma das marcas mais
triunfantes do nosso subdesenvolvimento. Trata-se de um hábito comum tanto aos
mais civilizados cérebros da Escola Fernando Henrique de Pensamento, quanto aos
bate-paus da CUT que fecham estradas para fazer política: segundo essa maneira
de ver a vida, aplicar a lei pode “criar problema”. Dependendo da hora, do
caso, do grão-duque que se enrolou com a Justiça etc, a execução da lei, “assim
ao pé da letra”, talvez não seja o ideal. É possível que “a cura seja pior que
a doença” ─ enfim, por aí vai rolando esse tipo de filosofia rasteira à venda
em loja de contrabandista paraguaio, onde não existe nada de legal no estoque.
No momento, a discussão levada aos
nossos tribunais é algo realmente capaz de encher de orgulho a atual “Corte
Suprema” da Venezuela, ou os conselheiros jurídicos do cacique Cunhambebe:
defende-se, abertamente, a ideia de que a autoridade pública não “deve”
executar a sentença que condenou a 12 anos de prisão, por corrupção e lavagem
de dinheiro, o ex-presidente Lula. Mas por que não, Deus do céu? Sua sentença
original foi confirmada, e ampliada, por 3 a 0 no TRF-4, o tribunal superior
para o qual o réu apelou. Não há mais fatos a discutir. As provas contra Lula
foram julgadas perfeitas, após seis meses e meio de estudo pelos três
desembargadores do TRF-4. Seus cúmplices e corruptores confessaram os crimes e
receberam pesadas penas de prisão por isso. Todos os direitos da defesa foram
plenamente exercidos. Sobram ainda alguns recursos formais, de decisão rápida ─
e depois de resolvidos, a única coisa a fazer é executar a sentença. Com Lula,
porém, não está sendo assim. Aplicar a lei, no caso, poderia “não fazer bem ao
Brasil”, segundo alegam o PT e o restante do “Complexo Lula”: juristas
militantes, políticos que têm medo de dizer que são contra Lula (o alto PSDB é
uma de suas tocas mais notórias), grandes comunicadores, o sistema
CUT-MST-UNE-MTST, artistas de televisão, intelectuais, o movimento LGTB e por
aí vamos.
Resultado: cobra-se, agora, que os
tribunais façam ao ex-presidente a gentileza de “rever” a lei que permite a
prisão de réus condenados em segunda instância. É esse, justamente, o
dispositivo legal que levou o TRF-4 a ordenar a execução imediata da sentença,
depois de serem cumpridas as disposições de praxe ainda restantes. “Rever” por
quê? É uma decisão absolutamente legal; na verdade o TRF-4 não teria o direito
de deixar tudo por isso mesmo, depois de confirmar a condenação de Lula por 3 a
0. Cobra-se que seja “revista”, também, a Lei da Ficha Limpa, que está aí desde
2010, foi aprovada em cima de 1,6 milhão de assinaturas dos eleitores e proíbe
a candidatura de condenados como o ex-presidente. Nesse caso, temos algo
realmente fabuloso: o Partido dos Trabalhadores brasileiros, e mais um monte de
gente de alta reputação, pedindo na prática uma Lei da Ficha Suja. Nada pode
funcionar desse jeito.
Todo mundo tem o direito, é claro,
de não gostar da sentença, ou de achar que ela foi injusta ─ assim como há,
igualzinho, o direito de gostar da decisão e que foi justíssima. E daí? A
Justiça não é um instituto de pesquisas; ela não pode funcionar, em nenhum
lugar onde há seres humanos, pela votação do público, ou pelo que se “percebe”
que é o “sentimento da maioria”, etc. Se a sentença foi limpa ela tem de ser
executada, ponto final ─ e a sentença que condenou Lula é uma das mais limpas
da história do Judiciário brasileiro. Mas o nome “melhor colocado nas
pesquisas” não estará na “lista de candidatos”, exclama o círculo do ex-presidente.
E daí? O que uma “pesquisa” tem a ver com a execução da lei? Haverá “convulsão
social”, ameaçam o PT e um ministro do próprio STF. Que convulsão? Quais as
provas disso? Não há nem haverá convulsão nenhuma. O ex-presidente Alberto
Fujimori, do Peru, ficou preso durante doze anos e foi solto apenas em dezembro
último. Jorge Videla, da Argentina, condenado a prisão perpétua, morreu no
cárcere. O que há de tão especial com Lula? Presidente na prisão nunca acabou
com país nenhum.
José Roberto Guzzo é do Conselho Editoral da Abril
e colunista das
revistas "Exame" e "Veja".
Fonte: “Veja”, 05/02/2018
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