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VIDA
MEDÍOCRE
UOL – 04/07/2016
– 02h00
(Por Luiz Felipe Pondé) Ouço com frequência jovens me perguntarem o que fazer para não
terem uma vida medíocre. A angústia deles é verdadeira. Os jovens hoje, por
detrás de toda essa "fúria" de acharem que são uma
"evolução" das gerações anteriores, morrem de medo.
Esse é o sentimento básico da chamada geração Y: o medo. O mundo é
mais competitivo, as pessoas, mais egoístas, as opções de escolha, maiores (o
que os faz viver como se a vida estivesse na prateleira de uma promoção do
freeshop), e, por isso mesmo, a chance de fracassar, muito maior. A ansiedade
de errar entre tantas opções os esmaga.
Por detrás desse blablablá de que os jovens de hoje são mais
corajosos para seguir seus sonhos, está a boa e velha publicidade vendendo
vidas que não existem.
Sei que alguns afirmam que viver segundo o desejo é a solução.
Concordo em teoria, mas o problema é que viver segundo o desejo (seja lá o que
isso for) é sempre um risco porque, como nos ensinou Arthur Schopenhauer
(1788-1860), o desejo pode nos humilhar de duas formas básicas: negando-nos a
realização de nosso desejo ou, pior, deixando que realizemos nosso desejo,
porque assim perceberemos que, ao realizarmos nosso desejo, perdemos o tesão
por ele, um pouco como o velho personagem Dom Juan e seu desespero diante da
perda do desejo pela mulher seduzida.
INTERNET: PONDÉ |
Alguns acham que para escapar da vida medíocre devemos viver uma
vida estética, como se diz em filosofia. Uma vida estética é uma vida vivida
pelas sensações, como dizia Soren Kierkegaard (1813-1855). Uma vida estética é
bastante sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens. Mas fracassa pela
mesma razão que dizia Schopenhauer: uma hora o tesão pela sensação acaba.
O dinamarquês Kierkegaard levanta outra hipótese, que é a da vida
ética. Essa proposta centra o sentido da vida numa busca de vida honesta. Cuidar
da família, ser fiel no casamento, ser trabalhador, pagar impostos, investir em
previdência privada. O fracasso será, entretanto, muito provável: famílias
traem, um dia você pode ser trocado ou trocada por alguém mais jovem e belo,
empregadores demitem, injustiças abundam, impostos só aumentam e pouco se ganha
em troca. A aposta na vida ética é ainda mais frustrante porque você se sentirá
um pouco ingênuo ao perceber que o mundo não leva em conta os esforços para
termos uma vida "reta".
“Acho difícil
não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma vida
medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de
contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança
e garantias...”
Outra opção, segundo nosso dinamarquês, é aderir a uma vida
religiosa numa igreja. De nada adiantará porque igrejas são poços de repressão,
mentiras e hipocrisias. De volta a estaca zero.
Para Kierkegaard, toda essa busca se dá porque somos um poço de
angústia. Tememos uma vida inundada em angústia, e, por isso mesmo, tentamos
toda forma de fuga, para ao final tombarmos na mesma constatação: medo,
desespero e angústia.
O existencialista Kierkegaard aposta num "salto na fé",
livre de instituições religiosas, tipo "você e Deus". Mas, ao mesmo
tempo esse "salto" implica um ato de coragem que é apostar numa vida
sem medo da angústia. Toda vez que tentamos escapar dela e fracassamos,
mergulhamos no desespero: perdemos a esperança de que possamos viver uma vida
sem angústia e pautada por alguma garantia contra nossos medos.
Friedrich Nietzsche (1844-1900) apostava numa vida vivida a partir
"dos seus próprios valores", longe do espírito de rebanho que assola
a humanidade, principalmente na modernidade, essa era dos rebanhos e manadas.
Richard Rorty (1931-2007) traduzia essa ideia assim: "Buscar uma vida
autoral". Isso significa o seguinte: viver de forma tal que sua vida seja
sua obra de arte.
De volta a questão dos jovens: como não ter uma vida medíocre? Acho
difícil não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma
vida medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de
contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança
e garantias.
Creio que a receita para termos uma vida medíocre é termos muito
medo. A proposta de Nietzsche e Rorty me parece bastante sedutora. Mas, quem
está preparado para não ter medo de sofrer?
Luiz
Felipe Pondé (1959, Recife) – filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em
epistemologia pela Universidade de Tel Aviv – discute temas como comportamento,
religião, ciência. É colunista da Folha de S. Paulo
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