A LADEIRA DA MISERICÓRDIA
O poeta Plínio Varjão cantando os seus blues na Ladeira da Misericórdia
Fotografia de Clóvis Campêlo/2015
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Pouca
gente sabe disso, mas o planeta Waxtraas, com seus quatro sóis e suas doze
luas, sobrevoa a Ladeira da Misericórdia, em Olinda. Com seus sete oceanos de
água doce, mitiga a sede dos que sobem a ladeira e os purifica dos sentimentos
mesquinhos e individualistas que nos consomem.
É
assim que canta o poeta e compositor Plínio Varjão, na calçada da ladeira,
vendendo o seu segundo CD, repleto de um blues nordestinado e otimista. Com
letras simples e composições despojadas. E uma voz áspera que tanto nos lembra
Paulo Diniz quanto os velhos blueseiros do Mississipi. No mesmo CD, aliás,
canta a própria ladeira, numa música homônima, onde lamenta a ausência sentida
dos seus velhos frequentadores. A sua figura, aliás, lembra-nos os velhos
hippies dos anos 60 e 70, que habitaram as ruas e ladeiras de Olinda. Trata-se,
na verdade, de um rejuvenescido senhor de mais de 50 anos. Um sobrevivente (ou
remanescente) daquele ideário. Olinda é assim!
Mais
acima, encontro o também poeta e compositor Dido Santos, vendendo os seus CDs e
os seus trabalhos como artista plástico. Também oriundo daquela época, tem um
trabalho musical mais elaborado e menos onírico. Suas telas coloridas cobrem a
calçada da Ladeira a espera dos compradores habituais, turistas alienígenas ou
personagens nativos, como eu.
Dizem
que a Ladeira da Misericórdia tem esse nome por ser a mais íngreme de Olinda e
exigir um esforço demasiado de quem por ela sobre em busca do Alto da Sé. Faz
sentido. Segundo outra versão, porém, o nome faz menção à Santa Casa de
Misericórdia, a primeira das Américas, que funcionava no alto da ladeira.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Segundo
o site Pelas Ruas que Andei, a
Ladeira da Misericórdia foi a primeira rua da cidade, tendo sido chamada
anteriormente de Rua Nova e Rua dos Ourives. Lá moravam as pessoas mais
importantes da cidade, como o donatário Duarte Coelho. Hoje é uma rua de poucas
moradias tomada pelo comércio.
Com
sua rua calçada por pedras portuguesas, a Ladeira da Misericórdia também foi
cantada por Alceu Valença, na música “Ladeiras”, onde reverencia as ladeiras da
velha Marim dos Caetés: “Ladeira da Misericórdia tem pena de mim”.
No
alto da ladeira, encontra-se a Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, cuja
origem remonta ao século XVII. Segundo a Wikipédia, “antes do grande incêndio
de 1631 já havia registro das atividades, no mesmo local, de uma igreja com uma
enfermaria anexa. Destruída sua sede pelo fogo, os Irmãos da Misericórdia
abandonaram a cidade e se instalaram no Arraial do Bom Jesus até 1635, passando
depois a administrar um hospital criado no Engenho de São João da Várzea,
voltando para Olinda somente após a retirada holandesa, em 1654”.
Descendo
a Ladeira da Misericórdia, chegamos aos Quatro Cantos de Olinda, onde depois do
cruzamento com a Rua Prudente de Moraes, inicia-se a Rua de São Bento, que nos
levará ao Mercado da Ribeira e ao Mosteiro de São Bento, passando ainda pela
ruínas do antigo senado, pela casa de Alceu Valença e pelo prédio histórico da
Prefeitura de Olinda.
Olinda
é assim: história, cultura e lazer. E na Ladeira da Misericórdia o reflexo de
tudo isso e muito mais.
Recife, julho 2015
LADEIRAS
De
Alceu Valença
Eu
lembro daquela menina subindo ladeiras
Ladeiras
de frevo e preguiça da velha Marim
Ladeiras
tão carnavalescas, escorregadeiras
Que
na terça-feira jogaram você sobre mim
Ladeiras
sugerem saudade, minha companheira
Ladeiras
que só interessam a ti e a mim
Eu
subo e descubro
Que
a vida é feito ladeiras
No
seu sobe e desce contínuo
Princípio
e o fim
Perdi
um amor tão bonito naquela ladeira
Que
vai dar no Alto da Sé
No
Bar Querubim
E
hoje a saudade me aperta de toda maneira
Ladeira
da Misericórdia tem pena de mim
Ladeira
da Sé, ladeira preguiçosa
Ladeira
do Amparo, da Misericórdia
Ladeiras,
ladeiras...
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