sexta-feira, 3 de julho de 2015

A VIDA DOS OUTROS

I
INTERNET

O carro da emissora de tevê estacionou em frente ao Bar do Carneiro. Bem vestida e bonita, a repórter entrou, foi até o balcão, falou qualquer coisa para o dono do estabelecimento e correu os olhos pelo salão. Não teve dúvidas de quem iria entrevistar: o Velho Marinheiro. Para surpresa geral, nosso Lobo do Mar aceitou de pronto o convite, mas fez uma exigência: “Maquiagem eu não passo”.

Foi até o banheiro lavou o rosto e penteou os cabelos ralos. Ao retornar, disse que estava pronto, que ela podia começar a perguntar e que ele sabia que as respostas tinham que ser curtas. Dispensava, portanto, qualquer ensaio.

-- O que o senhor acha da Parada Gay?

-- Uma indecência. Não gosto de exibicionismo, de baixaria em público, de alegria forçada. Caricatura só em jornal.

-- Então, o senhor é contrário à união civil entre pessoas do mesmo sexo...

-- Quem lhe disse isso? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O que as pessoas fazem entre quatro paredes, desde que seja consentido pelas partes, não me interessa. Só não gosto de ousadia pro meu lado, ponho pra correr o atrevido. Que cada qual seja feliz ao seu modo. A vida dos outros não me interessa.  

Finda a entrevista, o Velho Marinheiro quis saber quando a matéria iria ao ar. A repórter titubeou:

-- Essa é uma decisão do editor. Já temos vários depoimentos favoráveis à união civil entre pessoas do mesmo sexo...

-- A senhora, então, não queria saber o que penso, queria que lhe dissesse o que o tal do editor quer ouvir. 

-- É que precisamos dos dois lados.

-- Sou homem de um lado só. Se a senhora fosse homem lhe diria muitas e boas. Deixa pra lá. Com licença. Tenho mais o que fazer. Vou tratar dos meus passarinhos. (OS)



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