O
GRANDE DESAFIO AINDA É FISCAL
Cálculos
recentes mostram que, na União, as despesas
obrigatórias
passaram de um pouco mais de 70%
da
receita corrente líquida, em 2008,
para
cerca de 104% no corrente ano
Por
Raul Velloso
O
Globo – 08/01/2018
À
medida que vêm à tona novos dados do IBGE, a luz da retomada do crescimento do
PIB se mostra mais visível no fundo do túnel. O evento-chave da última
divulgação é que finalmente apareceram sinais de recuperação do investimento
privado, variável fundamental nessa narrativa. Aqui, o que conta mesmo é a
percepção dos investidores sobre o desempenho futuro da economia, esta, por sua
vez, diretamente associada à situação das finanças públicas. Só que, se
retirarmos o curto período do recente boom de commodities, o Brasil está em
crise fiscal desde o início dos anos oitenta, ou seja, há mais de trinta anos.
Foi
graças a ela que as expectativas se tornaram as piores possíveis no segundo
mandato Dilma, os investimentos desabaram, e o país despencou na maior e mais
demorada recessão de sua história.
Diante
desta, as receitas públicas foram ao chão, problemas estruturais das contas
públicas se misturaram aos conjunturais, e as soluções apresentadas pelas
autoridades se mostraram as mais confusas possíveis, para dizer o mínimo.
Acuado pelas agências de risco internacionais, o ministro da Fazenda acaba de
bradar que, se for necessário para ajustar o déficit público às metas, o
governo aumentará a carga tributária. Nada mais trivial, nem tão inconveniente
para um país em depressão econômica.
Raul Velloso é economista
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Olhando
para a União, o “x” da questão é o rápido crescimento dos gastos obrigatórios,
aqueles que têm por trás alguma determinação legal de que sua realização tem de
ocorrer. Cálculos recentes mostram que, na União, as despesas obrigatórias
passaram de um pouco mais de 70% da receita corrente líquida em 2008, até
chegar a cerca de 104% no corrente ano.
Ou
seja, antes mesmo de considerar as despesas discricionárias (onde se situam os
investimentos) e o serviço da dívida, a União gasta mais do que arrecada
liquidamente. O item de maior peso nos gastos obrigatórios se refere à
Previdência, tanto a geral como a específica dos servidores, por isso mesmo
sempre destacado quando se fala em fazer algum ajuste.
Por
conta desse desarranjo, a União entrou numa trajetória de seguidos e elevados
déficits primários, ou seja, de falta de quaisquer recursos não-financeiros
para pagar ao menos uma pequena parcela do serviço da dívida, o que, mantida a
política de financiar déficits com emissão de moeda à galega, leva à explosão
da dívida e de volta à hiperinflação.
Na
gestão atual, o governo acabou colocando os seguintes limitadores financeiros
adicionais para tentar implementar uma gestão financeira mais equilibrada: 1)
uma meta declinante de déficits primários; 2) um teto para o crescimento dos
gastos totais (exclusive dívida) equivalente à taxa de inflação, dessa feita
por emenda constitucional. E prometeu aprovar uma reforma da Previdência capaz
de reduzir esse tipo de gasto de forma expressiva no curto prazo, algo, como se
sabe, muito difícil de realizar.
“Acuado
pelas agências de risco internacionais, o ministro
da
Fazenda acaba de bradar que, se for necessário
para
ajustar o déficit público às metas, o governo aumentará
a
carga tributária. Nada mais trivial, nem tão inconveniente
para
um país em depressão econômica”
Esqueceu-se,
apenas, de verificar que, mesmo atendendo às duas primeiras exigências em 2018
(o que não será fácil), mas dependendo do alcance da terceira, poderia não
cumprir algo mais antigo e fundamental, a pouco lembrada “regra de ouro” das
finanças públicas brasileiras. Pelo art. 167, III, da Constituição, operações
de crédito não podem financiar gastos correntes. E tudo indica que, se nada for
feito para evitá-lo, isso acontecerá em 2018, caso em que haveria
responsabilização penal e administrativa do Tesouro, e política do presidente.
O que mostra que alguma solução, obviamente, a Fazenda acabará indicando.
Em
relação às destroçadas finanças estaduais, conforme tenho discutido amplamente
neste espaço, a política oficial é deixá-los à deriva, a não ser pelo programa
de recuperação dificilmente aplicável — e olhe lá — a qualquer Estado que não o
Rio de Janeiro, caso em virtual extrema-unção.
Diante
da forte resistência a aprovar a atual reforma, penso ser melhor deixar a
mudança das regras previdenciárias para uma segunda fase, e, enquanto há tempo,
adotar a melhor solução possível no curto prazo, conforme sugestão que venho
apresentando há algum tempo e que pode ser vista em maior detalhe no artigo que
publiquei há pouco e está reproduzido em “www.raulvelloso.com.br” com o título
“Como manter a regra de ouro”.
Na
verdade, para uma boa mudança, e como tenho enfatizado: 1) os efeitos teriam de
ser rápidos; 2) o ônus deveria ser maior sobre os menos pobres; 3) algum tipo
de troca com grupos sociais relevantes teria de ocorrer; e 4) o equacionamento
do brutal problema financeiro de curto prazo dos entes subnacionais deveria ser
parte da solução. Agora acrescento um quinto item: a regra de ouro tem de ser
obedecida. Só que a estratégia de ação seguida pelo governo não atende a nenhum
desses pré-requisitos.
Sendo
uma reforma que só mira regras e abrange todo o espectro de beneficiários,
afeta igualmente menos pobres e mais pobres. Para não ferir fortemente direitos
adquiridos, a vigência de uma reforma como a proposta pelo governo acaba
acontecendo muito tempo depois do que os reformistas desejariam.
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