Congresso Nacional: fábrica de privilégios Foto: Rodrigo Prada |
E A REFORMA DOS PRIVILÉGIOS?
Excelências usufruem de verba para aluguel de carros
e escritórios, combustível, passagens aéreas, telefone etc.
Por Gil Castello Branco
O Globo – 16/01/2018
O Estado brasileiro é uma verdadeira “mãe” no que diz respeito à
concessão de privilégios. O Brasil, porém, não é uma jabuticaba. Um dos mais
influentes líderes da França moderna, Charles de Gaulle, afirmou: “O apetite do
privilégio e o gosto da igualdade, eis as paixões dominantes e contraditórias
dos franceses, em todas as épocas”.
Uma classe que adora privilégios é a dos políticos. Às nossas
custas, isto é, dos cidadãos que pagam impostos, as excelências usufruem de
verba para aluguel de carros e escritórios, combustível, passagens aéreas,
telefone, cópias, imóvel funcional, divulgação da atividade parlamentar,
reembolso por serviço médico prestado em qualquer hospital do país etc. Fazem
jus a recesso no meio do ano, enforcam a semana quando os feriados caem na
terça, quarta ou quinta e tiram férias em janeiro. Além disso, podem ter um
exército de burocratas (ou seriam cabos eleitorais?) à disposição. Os deputados
podem ter até 25 assessores e no Senado – o recordista em quantidade de
funcionários — o senador do Maranhão João Alberto tem 84 servidores
distribuídos no gabinete em Brasília e no escritório no estado, a maioria
comissionados, claro. Não por acaso, o Congresso Nacional custará em 2018 cerca
de R$ 29 milhões por dia aos
brasileiros.
No Judiciário, a concessão generalizada de “penduricalhos”, na forma
de “auxílios” para moradia, alimentação e saúde, fez com que 26 tribunais
estaduais de Justiça tenham gasto cerca de R$
890 milhões em 2017. Com base na publicação detalhada das remunerações,
determinada pelo Conselho Nacional de Justiça, o Estadão Dados constatou que 13.185 juízes dos TJs (mais de 80%)
tiveram contracheques turbinados por esses benefícios. Por ter caráter de
“verba indenizatória”, esses recursos adicionais não são levados em conta no
cálculo do teto de R$ 33.763. Em
resumo, para o Judiciário, o teto previsto na Constituição virou piso. Vale
destacar que o auxílio-moradia é pago a magistrados, mesmo quando possuem
imóveis próprios nas cidades onde trabalham. Além do que recebem, os juízes têm
férias de 60 dias e recesso prolongado na Páscoa. Na esteira dos magistrados
vieram promotores, procuradores, conselheiros dos Tribunais de Contas e até do
Ministério Público de Contas.
No Executivo, falam muito em enxugamento, mas existem 33.659 funções comissionadas (incluindo
o governo do DF) e 66.725 funções e
gratificações técnicas (novembro/2017). Há, pelo menos, duas propostas para
restringir a quantidade de cargos em comissão na administração pública (PEC
110/2015 e PLS 257/2014), que caminham a passos de cágado no Congresso. Os
servidores não querem perder as “boquinhas” e os políticos, os votos. A
propaganda sobre a reforma da Previdência vende a ideia do fim dos privilégios,
mas deixa fora do debate a aposentadoria dos militares, a mais desequilibrada.
As mulheres continuarão a se aposentar com idade menor do que a dos homens e os
movimentos feministas não tocam no assunto.
“Como em nosso país a sensação de injustiça é generalizada
na concepção de um bom número de brasileiros, privilégio é
um benefício do qual os “outros” usufruem. No caso pessoal,
é sempre direito adquirido. O pior é que no Brasil, frequentemente,
o privilégio é irmão da injustiça e vizinho da corrupção...”
No setor privado, uma boa parte dos privilégios está nos subsídios e
nas isenções fiscais, que somam juntos, anualmente, quase R$ 400 bilhões. Os subsídios dispararam de 2007 para 2016, passando
de R$ 31 bilhões para R$ 115 bilhões. As isenções fiscais (os
chamados gastos tributários) estão estimadas para 2018 em R$ 284 bilhões, beneficiando setores, regiões, categorias
empresariais ou mesmo pessoas físicas. Segundo estudo recente do TCU, oito em
cada dez desses programas não têm data para acabar e mais da metade (53%) não
têm gestor responsável. Os beneficiários, obviamente, não reclamam.
Os contribuintes em atraso criticam a carga tributária, mas também
não reclamam dos sucessivos programas de refinanciamento de dívidas (Refis),
por meio dos quais a União deixou de arrecadar R$ 176 bilhões em juros e multas nos últimos dez anos.
No momento em que o país tem um déficit primário de R$ 159 bilhões, faz-se necessário
comprometermos os candidatos a deputados, senadores, governadores e presidente
da República com a “reforma dos privilégios”. É claro que não seremos uma
Suécia da noite para o dia — país onde congressistas moram em quitinetes, não
têm assessores e, como os magistrados, usam o transporte público para ir ao
trabalho.
Como em nosso país a sensação de injustiça é generalizada na
concepção de um bom número de brasileiros, privilégio é um benefício do qual os
“outros” usufruem. No caso pessoal, é sempre um direito adquirido. O pior é que
no Brasil, frequentemente, o privilégio é irmão da injustiça e vizinho da
corrupção...
Gil Castello
Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação
Contas Abertas
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