POR QUE OS CONGRESSISTAS MUDARIAM DE ATITUDE SE O ESTRAGO JÁ FOI FEITO? FOTO: JEFFERSON RUDY/AG. SENADO |
A
POLÍTICA RAREFAZ O AR
DA
ECONOMIA NO BRASIL
O
governo vive de aflição em aflição, sabe bem que seu fim
pode
estar logo ali, no descontrole das contas públicas
e na
frustração com o crescimento. Já é tão pouco o que
mantém
Michel Temer vivo politicamente que qualquer
desatenção
pode fazer desmoronar o barranco em que se escora
Por
Carlos Melo
Blog do Carlos Melo
09/01/2018 – 09:49
Meses
de festas e férias, e o mormaço do verão. A vida assume outro ritmo e a
política tende a se acomodar à modorra de dezembros e janeiros. Em tese, tudo
para. Só que não. A comichão se espalha e, nos bastidores, as articulações se
aceleram. É ano de eleição. Num tempo normal, a perspectiva das urnas esquenta
tudo, naturalmente. Numa quadra histórica como a que se vive desde 2016, mais
ainda a chapa ferve, com risco de derreter. O fato é: não há férias para o
desassossego; a vertigem nacional tem fluxo contínuo.
O
governo vive de aflição em aflição, sabe bem que seu fim pode estar logo ali,
no descontrole das contas públicas e na frustração com o crescimento. Já é tão
pouco o que mantém Michel Temer vivo politicamente que qualquer desatenção pode
fazer desmoronar o barranco em que se escora. O downgrade de agências de risco não surpreende, mas agrava a
situação.
As
lentes coloridas dos membros da equipe econômica, sempre positivas, querem
enxergar algo de bom em tudo. É do seu papel. Acreditam, diz a fonte em uma
notícia qualquer, que o rebaixamento será alvissareiro, pressionará deputados.
Será? Pode ser também que não: aliviados pelo mal que já ocorreu — o
rebaixamento veio e nada será imediatamente revertido — por que deputados
teriam pressa, depois que Inês morreu? Tudo pode, então, ficar para depois,
não?
***
MARUN, POR KLÉBER SALES O ESTADO DE S. PAULO |
Temer
foi alçado ao poder somente porque se comprometeu com entregáveis contratados,
na economia: desarmar a bomba da ''Nova Matriz'', realizar o ajuste, retomar
atividade e boas perspectivas. Implica em, pelo menos, remediar a Previdência
Social, desculpa para todos os rombos. Se o presidente não serve para isto,
para o que mais serviria? Ele não veio ao mundo para sanear o sistema político,
instaurar a moralidade; veio só para isto.
Temer
é antes o resultado do sistema; um articulador de pequenos interesses e
interesses pequenos. Seu papel é conduzir o clero baixo, tanto quanto possível,
para mitigar a aflição econômica de modo que, assim, a economia fizesse a paz
da política, pelo menos da Lava Jato.
Para
os que o apoiaram, nos mercados, a economia é uma exigência. Mas, para o
governo, um imperativo, questão de sobrevivência. Contudo, nada é mesmo simples
e a doença há casos em que não há remédio, além do deixar sangrar e do tempo.
O
presidente se desdobra mesmo que a saúde física lhe cobre juros. Mas, a verdade
é que não tem de onde tirar nada melhor do que aquilo que dispõe: a
precariedade de quadros políticos em sua base — e no Brasil atual — é assustadora,
de onde pode retirar recursos humanos para operar a recuperação?
Escolheu
Carlos Marun como ministro da Secretaria de Governo. Deputado de um único
mandato, num ambiente cheio de vícios, Marun se destacou rapidamente em razão
da virtude de seus defeitos, com o perdão do paradoxo.
Crê-se
que seja o quadro adequado para lidar com os recalcitrantes do governismo,
temerosos em votar a reforma e ampliar o fosso com os eleitores. Por falar a
língua objetiva da base, calculou Temer que melhor que os bons modos de
Imbassahy seriam os maus modos de Marun. Faz sentido, mas após escorregar em
rede nacional — admitir a pressão sobre governadores –, Marun recolheu-se aos
bastidores, de onde, menos forte, articula as esperanças do governo.
Aliados
começaram a abandonar o barco antes do que se supunha. No afã de manter a base,
o governo recorreu ao apoio de Roberto Jefferson — uma espécie de Carlos Marun,
dos tempos de Fernando Collor — para que indicasse o ministro do trabalho, e
apertasse os nós do vínculo de seu PTB com o governo. Jefferson pariu Cristiane
Brasil.
Deputada
articulada e aguerrida como o pai — o próprio Jefferson — padece da mesma
precariedade da base — difícil encontrar alguém sem ''poréns''. Mas, não é
papel do Judiciário definir quem o Executivo pode ou não pode nomear ministro.
Parece uma interferência indevida, quase um troco, uma desforra.
Todavia,
renegar dívidas trabalhistas, já julgadas em última instância, pega mal para um
ministro do Trabalho. Ser acusado por gente simples, motoristas e domésticas,
arranha tanto a reputação quanto a de um dentista com cárie e banguela.
Argumentos em sua defesa, como os do deputado Beto Mansur — ''se for assim, o
ministro da Saúde não pode fumar; o dos Transportes não pode ter multa''—, são,
sinceramente, patéticos.
***
CARLOS MELO (ESQ.) É CIENTISTA POLÍTICO
E PROFESSOR DO INSPER
Enquanto
o governo fica assim nessa água malparada, esperando fevereiro chegar, a
fragmentação eleitoral corrói a base e aprofunda a desinteligência. Já há pelo
menos três candidatos que se reivindicam do autodenominado ''centro
democrático'' em que o governo diz estar; disputas se acirram e, assim, se
desvia o governo de sua pauta.
Geraldo
Alckmin, Henrique Meirelles e Rodrigo Maia se preparam para consumirem-se
mutuamente. Buscam demonstrar que são capazes de reunir melhores times que os
demais; já insinuam formar ministérios. Faz sentido, procuram atrair setores da
elite e do empresariado, no primeiro momento. O diabo, porém, será conquistar a
massa — no momento seguinte.
Pelo
menos para Alckmin e para Meirelles, o caminho pode não ter volta: para ambos,
a eleição de 2018 será a última oportunidade de realizar o sonho da
Presidência, que acalentam há anos. Não é fácil renunciar a sonhos. Já para
Maia, pode se tratar de cavalo que passa encilhado, como descartar? O deputado
percebeu que em política, o poder é destino; há de virar o rosto se a sorte lhe
sorri?
Quem
abriria mão em nome de quem? Em 1989, Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e
Mário Covas não chegaram a qualquer acordo; fragmentaram o centro, abriram
espaços para Collor, Lula e Brizola. Nenhum deles conseguiu atrair o outro,
tornar-se ponto de confluência de múltiplas forças políticas. E, note-se, eram
quadros mais vividos, mais respeitados politica e intelectualmente, mais
sagazes e credíveis que os atuais.
A
saída para aglutinar o campo governista seria mesmo a natural atração que um
governo bem resolvido e bem-sucedido, naturalmente, possui. Mas, esse não
parece ser o caso. Voltamos às agruras de janeiro e fevereiro, mencionadas
acima. E se fosse o caso — ou improvavelmente vier a ser — porque seria um
deles e não o próprio Temer o candidato?
Vive-se,
então, certo impasse e assim será pelo menos até abril, até que aos poucos tudo
se defina (ou não), já a partir de 24 de janeiro, quando o ex-presidente Lula
será julgado pelo TRF da 4a. Região. Enquanto isso, no mormaço de verão, o sol
arde, a chuva cai. As cidades param por entre carros engarrafados ou sob águas
que brotam dos bueiros. Não há brisa, a febre amarela reaparece. O bafo
suspeito do futuro rarefaz o ar.
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