"Capinhas": R$ 12 mil por cabeça Foto: Imprensa/STF |
O ESTADO CRIMINOSO
O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo,
está pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado
Por Ruy Fabiano
Blog do Noblat
06/01/2018
A greve no setor de segurança pública do Rio Grande do Norte é, como
se diz, mais do mesmo. Repete, no formato, na motivação e nas consequências, as
ocorridas anteriormente em outros estados: salários baixíssimos e, como se não
bastasse, em atraso.
Profundo atraso. Somente agora, depois da baderna instalada, o
governador Robson Faria veio a público garantir que, enfim, pagará o salário de
outubro. Isso mesmo: outubro. E o faz em tom triunfal, de quem presta um favor
aos mal-agradecidos funcionários.
Não há verba, diz o governador, cujo salário, no entanto, assim como
o dos integrantes do Legislativo e do Judiciário locais, está em dia. O atraso
é apenas para o baixo clero do funcionalismo.
No Rio de Janeiro, aguarda-se o pagamento do 13º de 2016 e os
salários em atraso foram parcelados. Como algumas parcelas também atrasam, há o
sub-parcelamento do parcelamento.
Não há verba, repetem todos. Mas, no riquíssimo estado de Roraima,
por exemplo, a Assembleia Legislativa acaba de se autoconceder mais um aditivo
salarial: um auxílio-paletó, de R$ 25 mil, benefício vigente em suas congêneres
de diversos estados.
Um soldado da Polícia Militar do Rio Grande do Norte ganha (quando
ganha, claro) R$ 2,7 mil mensais. O do Rio de Janeiro, um pouco mais: R$ 3,2
mil. Mas um deputado estadual potiguar ganha, sem atraso, R$ 25 mil mensais,
além de verba indenizatória, ajuda de custo, verba para contratação de
assessores (nove por gabinete), num total anual per capita de R$ 1.157.556,60.
Sem atraso.
“Há uma bagunça salarial no Estado brasileiro, que permite
que um soldado da PM, que arrisca diariamente a vida,
ganhe em média um quarto de um capinha do STF.
Capinha é o apelido que têm os assistentes de plenário
– salários de R$ 12 mil – de cada um dos onze ministros”
A greve da Polícia Militar do Espírito Santo, ano passado, deixou um
rastro de mais de cem mortos, vítimas da ação livre dos bandidos. Foi preciso,
antes como agora, a intervenção das Forças Armadas, que, aos poucos, se
transformam em força policial de reserva. A Constituição proíbe greve de
militar – e a PM aí se insere.
Ocorre que a mesma Constituição (artigo 7º) obriga que os salários
sejam pagos pontualmente pelo empregador, “constituindo crime sua retenção
dolosa” (inciso X). Quem responde por isso?
Não é casual que o Brasil seja campeão mundial em criminalidade, com
índice de homicídios de guerra civil (cerca de 70 mil por ano). Prioridade à
segurança é apenas discurso de campanha. Na prática, não existe. E os baixos
salários são apenas parte do problema, a que se somam o péssimo equipamento de
trabalho.
A responsabilidade, no entanto, está longe de ser apenas de
governadores perdulários – quando não, ladrões mesmo.
Há uma bagunça salarial no Estado brasileiro, que permite que um
soldado da PM, que arrisca diariamente a vida, ganhe em média um quarto de um
capinha do Supremo Tribunal Federal.
Capinha é o apelido que têm os assistentes de plenário – salários de
R$ 12 mil – de cada um dos onze ministros do STF. Estes, nas sessões, trajam
solenes capas pretas, que se estendem até os pés, enquanto a capa de seus
auxiliares vai apenas até a cintura; daí o apelido, digamos, carinhoso.
Têm por missão (os capinhas) servir água e cafezinho ao respectivo
ministro, puxar-lhe a cadeira para sentar e atendê-lo em pequenas solicitações
quando em plenário. Segurança máxima, dois meses de férias anuais e salários
pontualíssimos, equivalentes aos de um general-de-Exército, posto máximo das
Forças Armadas.
O STF tem mais de dois mil funcionários (só de recepcionistas há
230) para atender onze ministros.
Ruy Fabiano é jornalista |
Não é uma anomalia isolada. Garçons e ascensoristas da Câmara e do
Senado, por exemplo, chegam a receber salários de até R$ 15 mil. E o mesmo se
dá em diversas câmaras municipais e assembleias legislativas país afora. A
Câmara Municipal de São Paulo, outro espantoso exemplo, paga R$ 9,7 mil a
engraxates e R$ 6,7 mil a barbeiros. Se numa cidade como São Paulo, com alta
cobertura da mídia, isso ocorre, imagine-se nos rincões do país.
Não se trata apenas do valor anômalo do salário, mas do despropósito
de tais funções, alheias à atividade-fim dessas instituições, o que só se
explica pela profunda anarquia administrativa do Estado, sem transparência e
fora do controle.
Dinheiro, há – o Brasil, afinal, é uma das dez maiores economias do
mundo -, mas está distribuído de maneira criminosa, sem qualquer senso de
proporção e prioridade, ao sabor de quem tem maior poder de pressão. Saúde e
segurança, setores que afetam diretamente o grosso da população, são, em regra,
negligenciados.
E o resultado é o que ocorre no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro,
Espírito Santo, Amazonas e em toda parte. Agora, por exemplo, em Aparecida de
Goiânia, novo motim penitenciário – rotina no país – deixou nove mortos, 14
feridos graves e permitiu a fuga de mais de uma centena de presos.
O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo, está
pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado. Caso contrário, teremos
sempre mais do mesmo.
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