Ilustração: Hector Gonzalez |
HERÓIS
ANÔNIMOS
Temos
instituições instáveis. Já outras são estáveis
em
sua submissão ao império do corporativismo
Por
Murillo de Aragão
IstoÉ
– 12/01/2018 – 18h
Quando
o calo aperta ou uma bala perdida parte seu coração, os rugidos de leão nascem
em seu peito, para, com o tempo, se transformarem em gemidos. E, depois, em
discretos ganidos de filhote. Claro que as cicatrizes ficam em sua alma. Mas o
jogo segue e você quer olhar além da curva, só que não consegue. Você tem a
visão turvada pela civilização do espetáculo, contida em uma gigantesca Times Square de subúrbio.
Um
raio de clarividência pode iluminar as sombras da mente, embotada por fake news, mentiras sinceras, verdades
incompletas e narrativas novelescas. Em um átimo, você percebe que não temos
instituições (nem é bem assim). Também percebe que nos faltam líderes (não é
bem assim). Mas é o que temos para hoje: relatos imprecisos.
Temos
instituições instáveis. Já outras são estáveis em sua submissão ao império do
corporativismo. Existem instituições que pagam integralmente plano de saúde
para funcionários, cônjuges, pais e filhos. Outras oferecem auxílio-moradia
para quem já vive na própria cidade do trabalho e auxílio-paletó. Algumas
dessas instituições estáveis são as que apontam o dedo para outras. Cumprem,
apenas, metade do papel.
Certas
lutam no pantanal institucional valendo-se do ativismo e da espetacularização
de seus atos, em um fenômeno “tostines” (vende mais porque é fresquinho ou é
mais fresquinho porque vende mais?) Sem espetacularização não há efeitos, ainda
que o direito seja atropelado nesse movimento. Para muitos, lutadores
desavisados da guerra cotidiana, direitos são como loteria: acreditamos que
algum dia os teremos.
Murilo de Aragão é cientista político |
Colocamo-nos
nas mãos de heróis, na melhor tradição sebastianista. Já tivemos heróis
acidentais e heróis fabricados. Os heróis de hoje estão morrendo de overdose:
uns, de corrupção; outros, de mordomias obsequiadas. A longo prazo, como disse
o economista John Maynard Keynes, todos nós estaremos mortos. O problema é que
alguns vão ter uma longa agonia. E de sua agonia outros farão alegorias, em que
muitos poderão se encharcar. Como numa novela de Glória Perez.
Faltam
heróis anônimos em todos os lugares, sobretudo nas redações, nos parlamentos,
nas bancas de professores, nos tribunais e nos gabinetes. Heróis que possam
apontar o dedo acusatório para outros sem que a outra mão se esconda em algum
privilégio ou interesse específico. O que nos resta a fazer é olhar nos olhos.
De nós mesmos e dos outros.
Faltam
heróis anônimos em todos os lugares, sobretudo nas redações, nos parlamentos,
nas bancas de professores, nos tribunais e nos gabinetes.
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