AMARILDO |
UMA
QUESTÃO DE MORAL
Políticos
corruptos não estão em condições de falar
de
moral e bons costumes para a infância e a família
Por
Walcyr Carrasco
Época
– 05/12/2017 - 08h01
Vivemos
tempos escuros. Todos os dias, alguém me fala sobre o papel da televisão na
construção da família e do caráter das crianças. A internet sempre repleta de
notícias falsas. (Vale um alerta: sites que não são feitos por empresas de
comunicação, com notícias verificadas, mentem. Inventam.) Logo no início da
minha novela, O outro lado do paraíso,
um pastor evangélico conhecido da mídia fez um artigo dizendo que, entre outras
coisas, um homossexual transaria com um bode. Seria para rir, se tanta gente
não levasse a sério. Mesmo que eu, em um momento de absoluta loucura,
escrevesse uma cena dessas, ela nunca iria ao ar na TV aberta. A própria
emissora tem uma responsabilidade social. Mas em torno de uma novela, de
programas de televisão, há sempre uma gritaria. Não é novidade. O livro O amante de lady Chatterley, de D.H.
Lawrence, esteve proibido por anos devido ao conteúdo erótico. Ulisses, de James Joyce, uma obra-prima
da literatura, sofreu processo. A literatura é atacada, o cinema é atacado, a
TV é atacada. Agora, exposições de arte também são, acusadas inclusive de
deformar os valores da criança.
Nossos
políticos acreditam realmente que exposições ou novelas são o pior? Ou é
falatório para ganhar espaço na mídia?
As crianças veem televisão, sim. Todos os dias assistem a telejornais
com políticos acusados de corrupção. Homens que, até recentemente, seus pais
admiravam. Que pareciam estar fazendo tanto para o país. Algumas histórias se
tornam folclóricas, como as malas de dinheiro dentro do apartamento de Geddel.
Outras, patéticas, como a do político de Brasília em regime semiaberto que
tentou voltar, à noite, para a cela com um queijo provolone na cueca. Compare
comportamentos tão elevados com frequentar uma exposição de arte mais ousada.
Ou com uma cena mais forte na TV. Quando eu era menino, houve o governo militar
e seus opositores – gente com ideais, propostas, que falava em liberdade. O
conceito de liberdade foi trocado por lucros. Francamente, o que é pior para
uma criança? Uma cena de nudez ou descobrir que os homens que comandam o país
só pensam em benefícios próprios? Certas ou erradas, contra ou a favor, até as
reformas do governo Temer, para conseguir o apoio do Congresso, dependem de
verbas, cargos. Chamam a isso de governabilidade. Eu chamo de fisiologismo e
corrupção explícita. O político deveria votar no que acredita ser melhor para a
sociedade. Não no que lhe dá vantagens imediatas.
“Esses
políticos corruptos, cujo número se amplia
a
cada dia, dão exemplos horríveis para a infância,
são
péssimos para a formação do caráter das novas gerações”
Pior.
Se o conceito de direita e esquerda está embaralhado, que dizer das religiões?
O país sempre conviveu com as diversas formas de cultuar o Criador. Mas uma
coisa era certa, mesmo entre católicos. Contratar, por exemplo, uma funcionária
evangélica era certeza de honestidade. Evangélicos são conhecidos por
frequentar a igreja e seguir preceitos rígidos. Novamente, não falo contra ou a
favor. Religião é questão de fé pessoal, que eu respeito. Mas agora, de
repente, o próprio Eduardo Cunha, da Assembleia de Deus, está mergulhado em
acusações. A Assembleia de Deus é conhecida pelos fortes princípios espirituais
e morais, inclusive o da honestidade. Outros alegadamente evangélicos também se
veem num vendaval de acusações, assim como católicos. Para essa gente, os
princípios religiosos foram embaralhados, assim como os políticos. Francamente,
para as crianças, adolescentes, é um bom exemplo de conduta moral, seja em que
religião for?
Essa
mesma gente adora falar em nome da infância e da família. Ora, sinceramente.
Soube (e ninguém vai me deixar provar) que o Shopping Village Mall, de grifes,
no Rio de Janeiro, sofreu uma queda nas vendas. Por quê? A maior parte dos
compradores foi atingida pela Lava Jato. Poucos dias antes da prisão de Eduardo
Cunha, sua esposa foi vista numa das butiques experimentando um sapato que
custava em torno de R$ 3 mil. Acusam a televisão, a literatura, as artes. Lutam
contra a ampliação dos direitos humanos. Atacam uma defensora dos direitos
LGBT. Não estão, a meu ver, autorizados a dizer uma palavra a respeito. O
exemplo que dão às crianças é muito pior. É assustador.
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