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A
VOZ DOS QUARTÉIS
O
general Mourão jamais fez apologia explícita da intervenção,
mas
já emitiu, mais de uma vez – e mais que qualquer outro oficial
da
ativa -, sinais da insatisfação militar em face do quadro político
Por
Ruy Fabiano
http://noblat.oglobo.globo.com/artigos
09/12/2017
| 01h25
O
ministro da Defesa, Raul Jungmann, há nove dias em um périplo pelo Oriente
Médio, desembarca hoje em Brasília no bojo de uma crise militar, que poderá
adquirir proporções delicadas.
Terá
de decidir se punirá ou não o general Hamilton Mourão, de quatro estrelas,
secretário de Economia e Finanças do Exército e integrante de seu Alto Comando.
Mais que isso, Mourão é uma liderança, que se tornou uma espécie de ícone dos
que postulam uma intervenção militar como saída para a crise política.
Ele
próprio jamais fez apologia explícita da intervenção, mas já emitiu, mais de
uma vez – e mais que qualquer outro oficial da ativa -, sinais da insatisfação
militar em face do quadro político.
Voltou
a fazê-lo quinta-feira passada, no Clube do Exército, quando comparou o governo
Temer ao governo Sarney, pelo recurso sistemático ao fisiologismo parlamentar,
em busca de chegar, “aos trancos e barrancos”, à conclusão do mandato. E
manifestou simpatia à candidatura Bolsonaro, reiterando que “é um dos nossos”.
Em
setembro, o general fizera o mesmo, em palestra numa loja maçônica, em
Brasília, quando disse que, se a Justiça não cuidasse de enquadrar os políticos
corruptos, “nós teremos que impor isso”, o que foi interpretado como ameaça de
intervenção militar.
Não
foi punido na ocasião, não obstante protestos de políticos, sobretudo da
esquerda, e do próprio ministro da Defesa. Mas o comandante do Exército,
general Villas-Boas, preferiu contornar a situação numa conversa pessoal,
recusando-se a puni-lo.
Se
o fizesse, não seria a primeira vez. Mourão, no governo Dilma, ao se manifestar
criticamente sobre política, foi transferido do poderoso Comando Militar do Sul
para a Secretaria de Economia e Finanças, em Brasília, uma função burocrática.
A
mudança não abalou o seu prestígio interno. De certa forma, aumentou-o, pela
audácia de ter vocalizado um sentimento hegemônico nos quartéis – e também
entre os oficiais da reserva. Continuou a ser cortejado não apenas por seus
colegas de Estado Maior, mas também por grupos civis intervencionistas.
As
críticas que fez e faz ao quadro político e aos seus mais destacados
protagonistas são até amenas, se comparadas ao que circula na mídia, nas ruas e
no próprio Parlamento.
A
diferença é que é um oficial da ativa, no mais alto posto da carreira, rompendo
um silêncio institucional que se estabeleceu há 32 anos, com o advento da Nova
República.
Ruy Fabiano é jornalista |
Nem
mesmo quando o PT instituiu a Comissão da Verdade, nos governos Lula e Dilma,
expondo ao julgamento moral (já que não tinha efeito jurídico) alguns oficiais
que atuaram na repressão política no curso do regime militar, os quartéis se
manifestaram.
O
general Mourão é o primeiro a fazê-lo. Sua análise conjuntural, em síntese,
mostra o país numa situação de degradação política, moral e institucional, em
que o colapso da segurança pública e a falta de resposta da Justiça ameaçam
levar o país ao caos.
A
passividade do Estado diante de ações cada vez mais violentas de grupos
armados, como o MST, destruindo não apenas propriedades privadas, mas redes
elétricas e serviços públicos de infraestrutura, é um sinal de que não está
dando conta da manutenção da lei e da ordem.
E
aí entra em cena uma discussão a respeito do artigo 142 da Constituição, que
diz que “as Forças Armadas (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem”.
Segundo
alguns, a intervenção estaria subordinada à iniciativa de um dos três Poderes,
mas, segundo outros, à frente dos Poderes, estaria a “defesa da Pátria”, a
garantia da lei e da ordem.
O
general Mourão parece alinhar-se a essa segunda interpretação, ao sustentar que,
diante do caos – “ou mesmo nos antecipando a ele” -, será inevitável agir. Daí
a lógica das “aproximações sucessivas” que, segundo ele, poderão desembocar na
desordem e numa intervenção, que ele diz não desejar.
Nesse
sentido, menciona, entre outras coisas, as dificuldades da Justiça em relação à
punição dos corruptos graduados; o cipoal das leis processuais, “que precisam
ser revistas”, pois estabelecem a impunidade; a ação do narcotráfico; e a
presença criminosa em instâncias da administração pública, de que o Rio de
Janeiro é o exemplo mais eloquente – mas nem de longe o único.
Nada
do que disse é fictício, inédito ou exagerado, mas, dito por um militar
graduado da ativa, tem gravidade diferenciada.
Jungmann
é o primeiro ministro civil, desde que o Ministério da Defesa foi criado, no
governo FHC, a lidar com uma crise militar, que não poderá resolver sem a
intermediação do general Villas-Boas, comandante do Exército, que já manifestou
anteriormente sua amizade e admiração pelo general Mourão.
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