Ilustração: Salvatore |
O
CENTRO E AS REFORMAS
Fui
entendendo que a conquista do centro era essencial
para
sustentar os avanços políticos, econômicos e sociais
Por Fabio
Giambiagi
O
Globo – 05/12/
Minha
juventude coincidiu com os últimos anos do governo militar, encerrado em 1985.
No contexto da radicalização própria da idade, combinado com as circunstâncias
da época, minhas primeiras incursões como cidadão no terreno da política se
deram flertando com a ideia de uma “ruptura”, um momento a partir do qual o
“antigo regime” seria substituído por um novo, livre das mazelas do anterior.
Com
o amadurecimento propiciado pela idade e refletindo acerca daqueles mesmos
anos, influenciado por aqueles que me guiaram nos primeiros passos nessa dura
caminhada do aprendizado dos limites impostos pela realidade, fui entendendo
que a conquista do centro era essencial para sustentar os avanços, tanto
políticos, quanto econômicos e sociais do país.
Convido
o leitor à seguinte reflexão. Quais foram os principais progressos do país nas
últimas três a quatro décadas? Creio que ninguém hesitaria em apontar quais
tenham sido:
* a
reconquista da democracia nos anos 80;
* a
estabilização da economia no governo Fernando Henrique (FH);
* os
avanços sociais, com redução da desigualdade e da pobreza, observados
inicialmente nos anos FH e aprofundados nos anos de governo de Lula.
Fabio Giambiagi é economista |
Em
todos os casos, tais situações resultaram da ação decisiva do centro político.
Na redemocratização, ela foi simbolizada pela figura de Tancredo Neves — a
expressão do centro por excelência — e pela aliança formada pelas lideranças do
antigo MDB com os dissidentes da ex-Arena, o partido oficial na época dos militares.
Na
redemocratização, o papel do centro foi vital na aliança entre o PSDB e o
antigo PFL, em função das sábias palavras de FH, ditas ainda em campanha,
ciente do potencial eleitoral do Plano Real, mas, como ex-parlamentar,
plenamente consciente da necessidade de ter uma coalização legislativa que
desse sustentação às reformas que preconizava: “Eu posso me eleger sem o PFL,
mas não conseguirei governar sem ele”.
No
governo Lula, o papel do centro esteve representado pela versão “Lulinha Paz e
Amor” do então candidato Lula, procurando a associação com quem veio a ser seu vice-presidente
(o líder empresarial José Alencar) e pela famosa “Carta aos Brasileiros” de
2002, com o que ganhou a adesão de frações importantes do establishment e da
classe média.
Não
estou tratando aqui das óbvias degenerações de nossa democracia imperfeita nem
dos métodos non sanctos que, sabemos
todos, foram empregados diversas vezes na História do país. Estou apenas
fazendo uma constatação. Que é, de resto, comum a outras experiências
históricas, com destaque para o papel decisivo de Adolfo Suárez na transição
política espanhola ou de Frederic De Klerk no fim do apartheid na África do
Sul.
“Há
um espaço aberto para que um candidato de centro
se
imponha à polarização e dê sequência às reformas
econômicas
que têm sido implantadas no país desde 2016”
Está
claro para todos que o país precisa deixar para trás as mazelas herdadas da
Nova República e as práticas políticas que temos arrastado como parte de nosso
vetusto “presidencialismo de coalizão”.
A
questão é que, da mesma forma que o fim do governo militar no Brasil se
beneficiou da adesão de quem era sócio do regime até a véspera do seu óbito e
que — mal comparando, por serem processos históricos diferentes — Mandela
manteve parte da burocracia que tinha acompanhado o apartheid durante décadas,
será muito difícil avançar sem a presença parcial, nas forças renovadoras, de
uma parte dos grupos que estiveram associados ao estágio que se deseja superar.
É
neste ponto que vale lembrar o que aconteceu na eleição para prefeito no Rio de
Janeiro em 2016, quando três candidatos de perfil bastante assemelhado — Índio
da Costa, Carlos Osorio e Pedro Paulo — dividiram um eleitorado de configuração
muito parecida em partes muito próximas entre si.
Propiciaram,
assim, as condições para que uma parcela relevante do eleitorado não se
sentisse representada pelas opções eleitorais que passaram para o segundo
turno, numa rara combinação de imperícia conjunta dos partidos associados
àquelas três candidaturas.
O
paralelo com a cena nacional é claro. Há um espaço aberto para que um candidato
de centro se imponha à polarização e dê sequência às reformas econômicas que
têm sido implantadas no país desde 2016. Sem que o centro esteja coeso, porém,
as chances de repetição a nível nacional de um evento como o do Rio em 2016 são
muito elevadas.
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