Foto: Jales Valker/Fotoarena |
DIANTE
DE TEMER, MORO
EXECUTA
SHOW DE HUMOR
Para
Moro, se houver mudança nas regras que permitem
mandar
para atrás das grades os condenados em segunda
instância,
será um grave retrocesso
Por
Josias de Souza
06/12/2017
| 03:54
Agraciado
pela revista IstoÉ com o prêmio
Brasileiro do Ano, Sergio Moro dividiu o palco com Michel Temer e outros
personagens em litígio com a lei. O juiz da Lava Jato tinha duas alternativas:
ou encarava o inusitado com um sentido de absurdo ou enxergava tudo sob a ótica
do deboche. Preferiu encarar a situação como uma piada. Ao discursar, o juiz da
Lava Jato revelou-se um humorista insuspeitado.
Moro
falou sobre providências que precisam ser adotadas ou evitadas para combater a
“corrupção sistêmica” que assola o país. Reiterou, por exemplo, a defesa da
regra que abriu as portas das celas para os condenados na segunda instância.
Injetou uma certa ponderabilidade cômica na cena ao pedir ajuda a Temer.
Com
duas denúncias criminais no freezer, Temer terá de acertar contas com a Justiça
depois que deixar a Presidência. Num instante em que seus aliados tramam
aprovar um mecanismo qualquer que mantenha ex-presidentes fora do alcance de
ordens de prisão de juízes como Moro, o comediante sugeriu a Temer que se enrole
na bandeira da prisão em segundo grau:
''Mais
do que uma questão de justiça, é questão de política de Estado”, disse Moro.
Ele pediu a Temer que “utilize o seu poder” para influenciar o Supremo Tribunal
Federal, de modo a desestimular a mudança da regra. “O governo federal tem um
grande poder e grande influência. E pode utilizar isso. Se houver mudança, será
um grave retrocesso.”
“Moro
defendeu o fim do foro privilegiado diante de Moreira Franco,
o
amigo a quem Temer fez questão de presentear com o escudo”
Um
detalhe potencializou o teor humorístico do pedido que Moro dirigiu a Temer: o
ministro Gilmar Mendes, amigo e conselheiro do presidente, é o maior defensor
da política de celas vazias no Supremo.
Gilmar
compôs a maioria de 6 a 5 que autorizou a prisão de condenados em tribunais de
segundo grau. Mas já deixou claro que pretende mudar o seu voto quando a
questão retornar ao plenário da Suprema Corte. Foi como se Moro sugerisse a
Temer dizer algo assim para Gilmar: “Tem que manter isso, viu?”
Como
em todo bom espetáculo de stand-up comedy,
Moro falou como se extraísse da plateia motes para suas anedotas. Defendeu o
fim do foro privilegiado diante de Moreira Franco, o amigo a quem Temer fez
questão de presentear com o escudo. Concedeu-lhe o título de ministro e o
consequente direito de ser julgado no Supremo depois que o companheiro virou o
“Gato Angorá” das planilhas do Departamento de Propinas da Odebrecht.
“Destoando
do resto dos presentes, o presidente e seus
acompanhantes
não ficaram em pé quando Moro subiu
ao palco
para receber o seu prêmio”
O
foro concede ''privilégios às pessoas mais poderosas'', declarou Moro,
arrancando efusivos aplausos da audiência. ''Seria relevante eliminar
completamente o foro ou trazer uma restrição ao foro.'' Como juiz, Moro também
dispõe de foro especial. ''Não quero esse privilégio para mim'', refugou, sob
aclamação.
Temer
e Moreira abstiveram-se de aplaudir Moro. Outros acompanhantes do presidente
também sonegaram ao juiz a concessão de uma salva de palmas. Entre eles o
presidente do Senado, Eunício Oliveira, o “Índio” da planilhas da Odebrecht.
Como
que decidido a borrifar graça na atmosfera, Moro sugeriu ao ministro da
Fazenda, também presente à premiação, que seja mais generoso com a Polícia
Federal: “Pedindo vênia ao ministro Henrique Meirelles, que faz um magnifico
trabalho na economia, me parece que alguns investimentos são necessários para o
refortalecimento da Polícia Federal. O investimento na atuação do Estado contra
a corrupção traz seus frutos.”
Temer
discursou depois de Moro. Mas não disse palavra sobre Lava Jato ou o combate à
corrupção. Preferiu bater bumbo pela reforma da Previdência.
Destoando
do resto dos presentes, o presidente e seus acompanhantes não ficaram em pé
quando Moro subiu ao palco para receber o seu prêmio. Durante o discurso do
juiz, exibiam cenhos crispados. Tratados como reformadores morais, as piadas
não acharam graça de si mesmas. Por sorte, o humor compreende também o mau
humor. O mau humor é que não compreende coisa nenhuma.
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