DILMA: UMA FOTO NA PAREDE |
QUASE
UMA CIDADÃ COMUM
Publicado
na revista EXAME
(Por
J. R. Guzzo) Deixa de fazer parte do linguajar político
do momento, por desaparecimento de propósito prático, a expressão “não vai ter
golpe”, uma das mais utilizadas pelo sistema de comunicação e propaganda do
governo desde o início do processo de impeachment da presidente da República. O
que passou a vigorar no mundo das realidades, desde a manhã do dia 12 de maio,
é que não vai ter Dilma. Os 5 quilômetros que separam o Palácio do Planalto,
onde governava oficialmente o Brasil, e o Palácio da Alvorada, onde não está
claro o que poderá fazer de útil até seu julgamento final pelo Senado, formam
um trajeto que não oferece a opção de volta. Decorridos no máximo 180 dias, a
presidente ora afastada estará apta a retomar sua existência como cidadã comum.
Sua influência na vida pública brasileira, a partir de então, estará limitada
ao título de eleitor e ao direito de acrescentar um voto à soma final da
apuração a ser computada nas próximas eleições municipais, como é o caso para a
grande maioria de todos nós.
Uma das maneiras mais seguras
de perder tempo, daqui para a frente, será prestar atenção no que Dilma vai
dizer enquanto sua situação legal não ficar tecnicamente definida. A observação
se justifica porque Dilma permanecerá na mídia escrita, falada, televisada e
digitalizada na tela dos celulares, computadores e onde mais for possível que
seu nome apareça. Qualquer pessoa menos atenta, dessa forma, pode ficar com a
impressão de que a presidente afastada continua desempenhando um papel
importante nos rumos da nação — se está presente todo santo dia nos meios de
comunicação, seus movimentos devem ter alguma relevância, não é mesmo?
“Uma
das maneiras mais seguras de perder tempo, daqui para a frente, será prestar
atenção no que Dilma vai dizer enquanto sua situação legal não ficar
tecnicamente definida”
Não, não é — o que torna
perfeitamente dispensável o trabalho de ouvi-la. Dilma, para todos os efeitos
práticos, não é mais presidente; é apenas afastada. Já há um bom tempo, na
verdade, ela só tem existido na mídia — se a imprensa não falasse dela, nada de
notável iria mudar. No momento de sua saída, não tinha um ministério, não
tomava nenhuma decisão, não assinava nenhum documento relevante; chegou perto
da perfeição, nessa inércia surrealista, ao nomear e exonerar o ex-presidente
Lula do cargo de ministro da Casa Civil sem que ele tivesse conseguido dar nem
mesmo 1 hora corrida de expediente. Assim continuará até o fim de seu estágio
no Alvorada.
É perfeitamente previsível,
na presente situação, que apareçam notícias, análises e comentários sobre o
“ministério paralelo” que, segundo anunciam alguns assessores, vai acompanhá-la
em seu novo local de atividades. Mas o que se pode esperar de uma coisa dessas?
Se Dilma não produzia o mínimo resultado com os ministros constantes do Diário
Oficial, que diabo vai fazer de concreto com esses ministros paralelos, cuja
capacidade de decidir é 100% nula?
Há também a promessa de
viagens internacionais em que Dilma faria denúncias contra o “golpe” — e, com
isso, deixaria o governo Michel Temer numa situação delicadíssima perante a
comunidade das nações. O que não se sabe é quais são os chefes de Estado, de
partidos e de organismos mundiais, em carne e osso, que vão recebê-la em tais
viagens. Que decisões podem tomar em relação ao Brasil? Vão retirar os
embaixadores ou promover um boicote econômico? Vão juntar-se a Dilma para
entrar com um processo contra Temer no Tribunal Internacional de Haia? Tudo
isso só vai existir, é claro, nas páginas e nos programas dos meios de
comunicação; no plenário do Senado Federal, onde estão os votos para o único
julgamento que interessa, o efeito será zero. (Não conta ponto, nessa ofensiva
estratégica, ser recebida pelos presidentes de Venezuela, Bolívia e outros do
mesmo gênero.)
Estão abertos os cálculos
para determinar por quanto tempo, ainda, Dilma terá algum interesse real para
Lula, o PT e quem está hoje indignado com sua partida. A vida segue.
José Roberto Guzzo é do Conselho Editoral da Abril e colunista das revistas EXAME e VEJA |
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