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VERBA VOLANT (*) E EU ME RETRATO
(Por
Leandro Karnal) Muitas vezes, ao longo destas décadas, disse
coisas grosseiras a pessoas e acabei tendo de pedir desculpas. O momento de
raiva, a vaidade, o descontrole: todas as pequenas e grandes sombras do meu
mundo interior podem assomar numa guerra relâmpago com minha derrotada
serenidade.
Tento o conselho de Hamlet:
mostre-me um homem que não é escravo das paixões e eu o seguirei. Isto também
acontece com a atividade acadêmica. Falando de pé, em meio a uma plateia, por
vezes, escapa algo impensado, seduzido pelo impacto orgulhoso das palavras.
Tenho tomado cada vez mais
cuidado com isto. Quero melhorar muito. Tenho vários exemplos. Uma frase que me
incomoda ter dito é que todo leitor da revista Veja é fascista. A frase contém, ao menos, dois erros. O primeiro:
a generalização, algo perigoso e tomado pelo clichê. O segundo é um equívoco
teórico: conservadorismo é distinto de fascismo. Insultar com a palavra
fascismo a todo conservador é um recurso retórico, eficaz, mas duvidoso quanto
à agudeza. Fui culpado de ter cedido a esta tentação. É um erro e eu peço
desculpas. Provavelmente, há muitos leitores de Veja que são conservadores. Suponho que possa até existir um ou
mais fascistas a ler Veja. Também
suponho que possam existir comunistas a ler Carta Capital, mas nem todo leitor de Carta Capital é comunista.
Evitarei a palavra fascista
a não ser no contexto específico ao qual ela se aplica. A luta para ser mais
sábio continua. Recomendo sempre ao público e aos alunos que fujam de
adjetivos. Preciso ouvir meu próprio conselho e evitar o farisaísmo. Quero não
me reconhecer neste tipo de frase.
Voltando
ao Hamlet. Pouco antes do duelo fatal, ao pedir desculpas a Laertes, ele
argumenta: se a loucura de Hamlet te ofendeu, amigo, ofendeu também a mim. Sou
a primeira vítima da vaidade retórica, ou seja, da suprema loucura minha e do
mundo. Desculpem-me, do fundo do coração.
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Leandro Karnal é professor doutor na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), desde 1996. Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (RS) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo
(USP). Possui pós-doutorados pela UNAM, México, e pelo CNRS de Paris. Sua
formação cruza História Cultural, Antropologia e Filosofia. É autor de vários
livros.
(*) Verba volant, scripta manent, ou seja, as palavras voam, os escritos permanecem.
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