Descobri outro dia que a gente só se mata por causa dos outros, para fazer efeito, dar reação, compreende? Se não houvesse ninguém em volta para sentir piedade, remorso e etc. e tal, a gente não se matava nunca. Então descobri um jeito ótimo, de me matar e continuar vivendo. Largo meus sapatos e minha roupa na beira do rio, mando cartas e desapareço.
Se é
difícil carregar a solidão, mais difícil ainda
é carregar uma companhia
Selecionei
as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada:
necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder.
Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de
realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade
neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro
que se encarregue da sua vida – ô! Deus – mas desta última necessidade só escapam
mesmo os santos. E algumas feministas radicais.
O
mal está no próprio gênero humano, ninguém presta.
Às
vezes a gente melhora.
Mas
passa
O
poeta dizia que era trezentos, trezentos e não sei quantos. Eu sou apenas duas:
a verdadeira e a outra. Uma outra tão calculista que às vezes me aborreço até a
náusea. Me deixa em paz! – peço e ela se põe a uma certa distância, me
observando e sorrindo. Não nasceu comigo mas vai morrer comigo e nem na hora da
morte permitirá que me descabele aos urros, não quero morrer, não quero! Até
nessa hora sei que vai me olhar de maxilares apertados e olho inimigo no auge
da inimizade: “Você vai morrer sim senhora e sem fazer papel miserável, está
ouvindo?” Lanço mão do meu último argumento: tenho ainda que escrever um livro
tão maravilhoso... E as pessoas que me amam vão sofrer tanto! E ela,
implacável: “Ora, querida, as pessoas estão fazendo montes. E o livro não ia
ser tão maravilhoso assim”. É bem capaz de exigir que eu morra como as santas.
MARCELO F. ABREU |
Obras de Lygia Fagundes
Telles:
Porão
e Sobrado, contos, 1938
Praia
Viva, contos, 1944
O
Cacto Vermelho, contos, 1949
Ciranda
de Pedra, romance, 1954
Histórias
do Desencontro, contos, 1958
Verão
no Aquário, romance, 1964
Histórias
Escolhidas, contos, 1964
O
Jardim Selvagem, contos, 1965
Antes
do Baile Verde, contos, 1970
As
Meninas, romance, 1973
Seminário
dos Ratos, contos, 1977
Filhos
Prodígios, contos, 1978
A
Disciplina do Amor, contos, 1980
Mistérios,
contos, 1981
Venha
Ver o Por do Sol e Outros Contos, 1987
As
Horas Nuas, romance, 1989
A
Noite Escura e Mais Eu, contos, 1995
Biruta,
contos, 2004
Histórias
de Mistérios, contos, 2004
Conspiração
de Nuvens, contos, 2007
Passaporte
para a China, contos, 2011