-- Marcelo, juro por Deus: nos conhecemos há décadas, mas cada vez
menos consigo entendê-lo. Não compreendo o que o leva a tomar certas atitudes.
Além de beber, você anda cheirando. Só pode ser isso. Ou, então, enlouqueceu de
vez. Vai saber.
-- Paulinho, já sei aonde você quer chegar. Está todo melindrado
porque demiti o diretor de arte. Sou sócio majoritário, tenho 75% de
participação na empresa. Eu decido. Quem criou a agência? Fui eu. Quem colocou essa
porcaria de pé? Fui eu. Quem conseguiu
os melhores clientes? Fui eu. Quem desenvolveu as melhores campanhas? Fui eu.
Porra! Quer mais? Vamos lá. Quem nos
tempos de bonança fez os investimentos em aplicações financeiras e imóveis, na
cidade, na praia e no campo? Fui eu, meu caro. Se eu não tivesse aberto as
portas para você, o que seria de sua família hoje? Seus filhos, sua mulher e
você estariam na mesma pindaíba em que se criaram. Ou não? Fala a verdade.
-- Impossível falar com você. Impossível argumentar com quem se
julga Deus.
-- Olha aqui: não cheguei a ser Deus, mas cheguei bem perto. Na
nossa área, não tinha para ninguém, não. Tinha?
O silêncio pesado e arrastado se impôs. Tempo suficiente para que os
dois consumissem, sem palavras ou resmungos, doses generosas de uísque e
abarrotassem os cinzeiros.
Paulinho resolveu retomar o diálogo improvável:
-- Marcelo, não quero discutir, mas preciso entender o motivo que o
levou a demitir o Caio. O cara é ótimo, baita profissional, trabalhador,
criativo. Além de tudo, é boa gente. Quem saiu perdendo foi nossa empresa, meu
caro. Ele arruma emprego em qualquer lugar, em qualquer momento,
independentemente do tamanho da crise econômica. Ainda é capaz de levar para o
novo emprego alguns de nossos clientes, se ele não montar a própria agência.
-- Sorte dele.
Novo silêncio, nova rodada de uísque (agora, sem gelo) e cigarros.
Dessa vez, foi Marcelo, o sócio majoritário, quem retomou a falação:
-- Paulinho, você quer mesmo saber por que demiti o Caio?
-- É evidente que sim.
-- Ele é tudo de bom, como você falou agorinha. O problema dele é a
vaidade. Andava dizendo para todo mundo e para amigos nossos que, sem ele, nós
já tínhamos quebrado. Que era o cérebro da agência.
-- Mas, ainda que ele tenha feito isso – o que duvido –, qual o
problema, Marcelo? Você já foi o grande “músico”, o criador, hoje é o maestro
da companhia. Não lhe basta?
-- Aqui, jamais alguém brilhará mais que eu. Agora chega, é tarde.
Tenho compromisso com Dora. Você tem até segunda para me dizer quanto quer
pelos seus 25%. Compro sua parte, toco a empresa do meu jeito. (OS - FEVEREIRO 2017)
Nenhum comentário:
Postar um comentário