MANIFESTANTES, EM VITÓRIA (FOTO: TRIBUNA) |
GREVE DAS
MULHERES DE ATENAS E VITÓRIA
As gregas
fizeram a greve delas, mas as brasileiras obrigaram
os
maridos a fazer outra greve, proibida pela Constituição
POR
DEONÍSIO DA SILVA
VEJA.COM –
BLOG DO AUGUSTO NUNES
12/02/2017
As esposas dos policiais do Espírito Santo,
estas novas “mulheres de Atenas”, cansadas de outra guerra, mostraram ser boas
alunas de Lisístrata, uma personagem do grego Aristófanes. Na peça, ela lidera
uma greve de sexo em 411 a.C., com o propósito de pôr fim às hostilidades que
estavam arruinando a Grécia ontem. Hoje, outras guerras devastam o Brasil.
Lisístrata significa em grego “desorganizadora do exército”, papel que não foi
cumprido por nossas Lisístratas…
Há muitas outras diferenças que separam as
antigas gregas das capixabas nesses mais de 2.400 anos. As divergências começam
pela greve, que não foi das espírito-santenses e não foi de sexo. As gregas
fizeram a greve delas, mas as brasileiras obrigaram os maridos a fazer outra
greve, proibida pela Constituição. Assim procedendo, transformaram seus
cônjuges em amotinados. Nós precisamos dar às coisas os nomes que as coisas têm
e pelos quais são conhecidas. Greve é uma
coisa, motim é outra.
As capixabas não fizeram greve, palavra vinda
do Francês grève, nome de uma praça
forrada de areia às margens do rio Siena, em Paris, onde trabalhadores se
reuniam para reivindicar seus direitos, interrompendo o trabalho.
As mulheres dos policiais amotinados foram
designadas abundantemente na mídia por “mulheres”, nem “esposas”, nem
“senhoras”. Esta sutileza diz muito dos lugares atribuídos à mulher na
sociedade brasileira. E às vezes os conceitos e os preconceitos vêm tão
escondidos que requerem uma leitura da estrutura profunda onde se homiziaram.
A palavra mulher veio do Latim mulier para o Português e tornou-se
hegemônica sobre seus sinônimos para designar o feminino de homem, mas há
complexas variações no uso dos sinônimos quando a mulher é referida em outros
contextos.
Lembremos que a matriz latina de mulier para designar o mundo feminino
é substituída quando a mulher recorre a médicos ou médicas ginecologistas para um exame
ginecológico ou para fazer uma
ginecoplastia. Daí o étimo é o Grego gynaikós, equivalente a “mulier” e “femina” no Latim.
Desde sempre as mulheres têm desempenhado papel
importante em momentos decisivos de nossa História. No real, de que são
exemplos Ana Quitéria, Bárbara
Heliodora, Chica da Silva e Anita Garibaldi, entre muitas outras. E no imaginário
com obras artísticas e literárias famosas, como as três personagens
emblemáticas de Jorge Amado, títulos de grandes romances: Gabriela Cravo e
Canela, Teresa Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste.
Mas, como, segundo Hegel, a História só se repete
como farsa, desta vez as senhoras do Espírito Santo, esposas de militares,
representaram uma farsa e deram ao mundo mais um exemplo do jeitinho
brasileiro: seus esposos as contrataram e terceirizaram a greve! Com tal
procedimento, disfarçaram o motim, que tem punições muito mais rigorosas do que
a greve.
Deonísio da Silva é professor, escritor e etimologista
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