WALCYR CARRASCO (DIVULGAÇÃO) |
HOMOFOBIA EM ALTA
O
preconceituoso age como se os amores
e a intimidade dos outros
fossem de sua conta. Não são
POR
WALCYR CARRASCO
ÉPOCA
DIGITAL – 24/01/2017
Todo mundo já sabe. O ator Leonardo Vieira foi
fotografado em uma festa beijando outro homem. Um fotógrafo clicou. As imagens
se espalharam pelos sites de fofocas. Corajosamente, o ator publicou uma carta
aberta ao público. Diz que é gay sim. Reage contra a homofobia. Que é
estimulada pelos sites e pelas colunas onde se revela a sexualidade de famosos.
Mais que isso: frequentemente os colunistas desse tipo são, eles mesmos, gays.
Provavelmente com muita dificuldade em sua condição sexual, pois exercem a
homofobia contra si próprios. E o público que consome avidamente essas notas
também dá uma mostra de preconceito. O que cada um tem a ver com o que o outro
faz?
Há anos, declarei à revista Playboy que sou
bissexual. Fiz isso em respeito às diversas e muito amadas mulheres que tive em
minha vida e que talvez um dia volte a ter. Eu as amei, mas também amei homens.
Como escritor, levo uma vida isolada e nunca tive de bater de frente com o
preconceito. Escrevi o livro infantil Meus
dois pais, que fala sobre um garoto cujo pai tem um companheiro. O livro
foi comprado por várias prefeituras para bibliotecas escolares. A família é a
estrutura básica da sociedade. Mas muitas crianças têm dois pais ou duas mães,
biológicos ou adotados. Haverá cada vez mais famílias assim. E as crianças
precisam aprender a lidar com os outros. Lembro aos pais que leem esta coluna:
não fiquem de cabelos arrepiados. Se seu filho ou filha abrir o coração a quem
é diferente, estará seguindo um fundamento cristão. Amor ao próximo, certo? E
estará sendo ético e decente – respeite o direito do outro, se esse direito não
interfere nos seus. Conviver com um gay não torna alguém gay. A maioria dos
gays vem de famílias de héteros convictos. É ou não é?
A reação a Leonardo Vieira foi preconceituosa e
radical. Já observei isso: certa vez uma amiga de mais de 60 anos comentou que
se determinado galã da TV fosse gay, seria uma grande decepção. Perguntei:
– O que vale não é o trabalho dele? Ou você tem
esperança de algum dia encontrá-lo e vocês se apaixonarem?
Ela pediu desculpas.
FOTO: ARQUIVO GOOGLE |
A homofobia está em alta. Uma gerente de
supermercado em Cravinhos, interior de São Paulo, matou a facadas seu filho de
17 anos, Itaberli Lozano Rosa. O padrasto ajudou a queimar o corpo num
canavial. Motivo aparente: o garoto era gay. A mãe confessou. Agora mudou.
Alega que o filho era usuário de drogas e a ameaçou. Tios e a avó garantem que
não usava. A existência de mães que odeiam filhos devido a sua orientação
sexual não é nova para mim. Em Brasília, acompanhei o caso de um rapaz,
professor, de família humilde. Quando descobriu a aids, já estava em um
processo irreversível. No hospital, a mãe evangélica exigia que ele deixasse de
ser homossexual. Ele morreu se culpando. A mãe disse:
– Melhor que tenha morrido que ser gay. Agora
está com o Senhor.
É da pensão deixada por ele que a mãe vive
hoje.
Por que a orientação sexual de alguém importa
tanto para os outros? Do meu ponto de vista, só importaria se eu estivesse
apaixonado e quisesse tentar um envolvimento. O preconceituoso se comporta como
se os amores de outra pessoa, o que ela faz entre quatro paredes, fosse de sua
conta. Não é. Mas sinto um movimento conservador cada vez mais forte.
Como autor de televisão, fui o primeiro a
colocar um beijo gay na novela das 21 horas, Amor à vida, pela Globo. Minha antena diz que o clima está menos
favorável a esses avanços. Prova disso são os ataques homofóbicos que Leonardo
Vieira sofreu após as fotos. Mas um ator não é um ator? Fico com as palavras
que ele colocou em seu manifesto, um exemplo lúcido.
“Sempre achei que um ator deve ser como uma
tela em branco. Ali colocaremos tintas, cores, formas e sentimentos para dar
vida a diversos personagens. Respeito, mas nunca concordei com atores que
expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras ideológicas, exatamente porque no
meu entender isso poderia macular essa tela em branco (...). O público passa a
ver o ator antes do personagem e para mim isso nunca foi bom. Um dos motivos de
nunca ter feito o meu ‘outing’ (assumir a orientação sexual publicamente) foi
esse e isso não é uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a
mesma postura em relação a minha vida privada.”
O texto dá um ponto final brilhante ao assunto.
Personagem é personagem. Ator é ator. Cada um, em qualquer posição, tem direito
a uma vida sexual e amorosa como deseja, porque isso só diz respeito a si
mesmo. Cada ser humano tem direito à liberdade e a escolher sua vida. Tudo mais
é preconceito.
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