quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

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WALCYR CARRASCO (DIVULGAÇÃO)

HOMOFOBIA EM ALTA 

O preconceituoso age como se os amores
 e a intimidade dos outros
 fossem de sua conta. Não são

POR WALCYR CARRASCO
ÉPOCA DIGITAL – 24/01/2017

Todo mundo já sabe. O ator Leonardo Vieira foi fotografado em uma festa beijando outro homem. Um fotógrafo clicou. As imagens se espalharam pelos sites de fofocas. Corajosamente, o ator publicou uma carta aberta ao público. Diz que é gay sim. Reage contra a homofobia. Que é estimulada pelos sites e pelas colunas onde se revela a sexualidade de famosos. Mais que isso: frequentemente os colunistas desse tipo são, eles mesmos, gays. Provavelmente com muita dificuldade em sua condição sexual, pois exercem a homofobia contra si próprios. E o público que consome avidamente essas notas também dá uma mostra de preconceito. O que cada um tem a ver com o que o outro faz?

Há anos, declarei à revista Playboy que sou bissexual. Fiz isso em respeito às diversas e muito amadas mulheres que tive em minha vida e que talvez um dia volte a ter. Eu as amei, mas também amei homens. Como escritor, levo uma vida isolada e nunca tive de bater de frente com o preconceito. Escrevi o livro infantil Meus dois pais, que fala sobre um garoto cujo pai tem um companheiro. O livro foi comprado por várias prefeituras para bibliotecas escolares. A família é a estrutura básica da sociedade. Mas muitas crianças têm dois pais ou duas mães, biológicos ou adotados. Haverá cada vez mais famílias assim. E as crianças precisam aprender a lidar com os outros. Lembro aos pais que leem esta coluna: não fiquem de cabelos arrepiados. Se seu filho ou filha abrir o coração a quem é diferente, estará seguindo um fundamento cristão. Amor ao próximo, certo? E estará sendo ético e decente – respeite o direito do outro, se esse direito não interfere nos seus. Conviver com um gay não torna alguém gay. A maioria dos gays vem de famílias de héteros convictos. É ou não é?

A reação a Leonardo Vieira foi preconceituosa e radical. Já observei isso: certa vez uma amiga de mais de 60 anos comentou que se determinado galã da TV fosse gay, seria uma grande decepção. Perguntei:

– O que vale não é o trabalho dele? Ou você tem esperança de algum dia encontrá-lo e vocês se apaixonarem?

Ela pediu desculpas.

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FOTO: ARQUIVO GOOGLE

A homofobia está em alta. Uma gerente de supermercado em Cravinhos, interior de São Paulo, matou a facadas seu filho de 17 anos, Itaberli Lozano Rosa. O padrasto ajudou a queimar o corpo num canavial. Motivo aparente: o garoto era gay. A mãe confessou. Agora mudou. Alega que o filho era usuário de drogas e a ameaçou. Tios e a avó garantem que não usava. A existência de mães que odeiam filhos devido a sua orientação sexual não é nova para mim. Em Brasília, acompanhei o caso de um rapaz, professor, de família humilde. Quando descobriu a aids, já estava em um processo irreversível. No hospital, a mãe evangélica exigia que ele deixasse de ser homossexual. Ele morreu se culpando. A mãe disse:

– Melhor que tenha morrido que ser gay. Agora está com o Senhor.

É da pensão deixada por ele que a mãe vive hoje.

Por que a orientação sexual de alguém importa tanto para os outros? Do meu ponto de vista, só importaria se eu estivesse apaixonado e quisesse tentar um envolvimento. O preconceituoso se comporta como se os amores de outra pessoa, o que ela faz entre quatro paredes, fosse de sua conta. Não é. Mas sinto um movimento conservador cada vez mais forte.

Como autor de televisão, fui o primeiro a colocar um beijo gay na novela das 21 horas, Amor à vida, pela Globo. Minha antena diz que o clima está menos favorável a esses avanços. Prova disso são os ataques homofóbicos que Leonardo Vieira sofreu após as fotos. Mas um ator não é um ator? Fico com as palavras que ele colocou em seu manifesto, um exemplo lúcido.


“Sempre achei que um ator deve ser como uma tela em branco. Ali colocaremos tintas, cores, formas e sentimentos para dar vida a diversos personagens. Respeito, mas nunca concordei com atores que expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras ideológicas, exatamente porque no meu entender isso poderia macular essa tela em branco (...). O público passa a ver o ator antes do personagem e para mim isso nunca foi bom. Um dos motivos de nunca ter feito o meu ‘outing’ (assumir a orientação sexual publicamente) foi esse e isso não é uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a mesma postura em relação a minha vida privada.”

O texto dá um ponto final brilhante ao assunto. Personagem é personagem. Ator é ator. Cada um, em qualquer posição, tem direito a uma vida sexual e amorosa como deseja, porque isso só diz respeito a si mesmo. Cada ser humano tem direito à liberdade e a escolher sua vida. Tudo mais é preconceito.

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