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CINISMO, INDIGNAÇÃO E PALAVRÕES
FOFINHOS
Dar mais valor à forma que ao conteúdo é
um
aspecto selvagem de nosso povo
POR MURILLO DE ARAGÃO
BLOG DO NOBLAT
16/02/2017 - 01h25
O cinismo explica a política de modo mais
eficiente que a indignação. Ao enveredar pelos maus humores para explicar a
política, caímos no poço da indignação. Um poço fundo e escuro do qual é
difícil sair.
O indignar tem sido arma de retórica de muitos.
Até mesmo pelo fato de que o Brasil é um país que tem inúmeros motivos para
causar indignação. O indignar, no entanto, tem sido usado de forma pouco
eficiente, já que embute uma perigosa armadilha. E, ao cairmos na armadilha da
indignação, temos nossos sentidos obliterados.
Quase todos os grandes líderes da humanidade
usaram a indignação como forma de manipular o povo. Mas essa não é uma
prerrogativa apenas das pessoas. Instituições também manipulam as expectativas
do povo, e o recurso da indignação é o caminho mais curto para se chamar a
atenção.
Em um país de pobre estofo gramatical e onde a
teatralidade no falar vale mais do que a literalidade das palavras, a
indignação cai bem. Por isso qualquer coisa pode ser dita a um brasileiro,
desde que seja dita sem exaltação. Já qualquer coisa banal dita com tom de
indignação causa efeito. Dar mais valor à forma que ao conteúdo é um aspecto
selvagem de nosso povo.
Ocorre com os cachorros: palavras de carinho
ditas agressivamente causam temor e raiva; palavras depreciativas sussurradas
carinhosamente geram alegria e satisfação. Um anúncio comercial de tubos e
conexões da Tigre, em que dois operários trocam palavras doces e inconsequentes
em tom de briga, mostra bem como isso funciona. O mote é: “Por um mundo sem
palavrões; use palavrões fofinhos”.
Nosso povo, ao examinar a política, deveria dar
mais valor ao conteúdo do que é dito do que à sua forma. Pois, no afã de se
fazer ouvir, muitos gritam tolices. Criam pânico e agem como Pedro, personagem
da fábula Pedro e o Lobo. Enfadado ao cuidar das ovelhas, Pedro resolveu gritar
que um lobo estava a atacá-las. Foi socorrido pelos fazendeiros, que não
encontraram lobo nenhum. A brincadeira se repetiu até o dia em que o lobo
apareceu de verdade, comeu as ovelhas e os fazendeiros não foram socorrer, pois
achavam que os gritos eram de brincadeira.
A indignação nas palavras deve ser processada
com muito cuidado. O que é vendido fácil demais como verdade absoluta tem uma
grande chance de ser algo que não vale o seu valor de face. O alarmismo tende a
criar uma capa de insensibilidade que nos leva ao cinismo a respeito das
coisas, das pessoas e das instituições. Já a prudência, por mais enfadonha que
seja, pode nos levar à precisão.
MURILLO
DE ARAGÃO É CIENTISTA POLÍTICO
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