quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

Resultado de imagem para imagens de walcyr carrasco
WALCYR CARRASCO (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A RELIGIÃO NO LADO ERRADO
DO DEBATE SOBRE DROGAS

A legalização das drogas diminuiria a violência e melhoraria 
o gasto público com a polícia e a justiça

POR WALCYR CARRASCO
ÉPOCA DIGITAL – 14/02/2017

O tema é polêmico no mundo todo. Legalizar ou não o consumo de drogas? Tudo começa pela maconha. Assim como os usuários também começam com ela. Já no colégio sempre há aquela roda de amigos que curte um “fuminho”. Entrar para esse grupo, em geral moderno e descolado, é como um ritual de iniciação. É difícil encontrar entre os jovens de hoje algum que nunca tenha experimentado. Todos conhecem quem usa. Eu, particularmente, não sou a favor do uso contínuo de maconha, por observar seus efeitos no longo prazo. Já observei que, ao se prolongar por anos, ela produz um efeito, digamos, “apaziguador”. A pessoa perde as ambições. Não é nada físico nem mesmo mental. É de alma, eu diria. Precisamos de uma dose de angústia para construir projetos, viver relacionamentos. Batalhar pela vida. As pessoas ficam bem, em paz, “na boa” quando fumam. Quando a sensação é prolongada por anos, a vida não caminha.

– E aí, e aquela vaga de emprego?

– Não rolou.. – responde o usuário tranquilamente, enquanto enrola mais um cigarro.

Consome-se maconha no mundo inteiro, talvez até mesmo para aplacar as angústias do mundo moderno. Aqui, as bancas de revistas vendem apetrechos para fumantes. Em qualquer escola, casa noturna, há quem tenha. A maconha ilegal estabelece o contato entre um possível usuário e uma parte mais sombria do mundo de venda de drogas. Vários estados americanos já aprovaram o uso médico ou recreativo. O Uruguai iniciou a experiência de produzir e permitir o uso. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, em 2015, votou que não via motivos para punir o usuário. Agora outro ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, acredita que a descriminalização da maconha é um primeiro passo que pode levar a uma política de legalização das drogas. O raciocínio do ministro é límpido. A prisão de usuários sobrecarrega o sistema penitenciário. E a legalização seria um golpe no tráfico.

Ministro, serei sincero com Vossa Excelência.

Seu voto é correto, perfeito do ponto de vista legal. Mas a realidade das ruas é outra. A maconha e qualquer outra droga já estão mais que liberadas no Brasil. Quando eu frequentava a Praia de Camburi, no Litoral Norte de São Paulo, cansei de ver a garotada fumando a céu aberto. Policiais passavam e nem davam atenção. Iam prender a praia toda? Nas baladas, traficantes agem abertamente. Vendem de tudo: bala (ecstasy), cheirinho da loló, o escambau. Maconha até que não, pois costuma ser uma droga que se usa em roda de amigos. A droga só não paga imposto. E os jovens acabam comprando de traficantes, o que implica uma dose de risco e leva dinheiro para praticantes de outros tipos de crimes. Lamentavelmente, uma opinião clara e avançada como a do ministro Barroso é atravancada por ondas de protestos de grupos religiosos – que esquecem que este é um país laico. E pela população apavorada, que acha que a facilidade de encontrar drogas empurraria seus filhos para o vício. É um engano absurdo. O que facilita o vício é:

1) a proibição, que fascina os adolescentes. Quem, na adolescência, não adorava ousar? A proibição valoriza a droga. O usuário adolescente se sente parte de um grupo especial, que “sabe das coisas”;

2) por a droga ser proibida, pais, mães, médicos não têm acesso à verdadeira situação do viciado, até que sua condição se torne desesperadora. Muitas vezes, é tarde demais. A legalização das drogas poderia ter níveis diferentes. As mais pesadas exigiriam acompanhamento médico para a compra. O viciado seria monitorado pela família, por médicos, psicólogos. Parece caro. Alguém vai dizer que o país tem assuntos prioritários? Só a economia em gastos com carceragem, processos judiciais e polícia, além da queda da violência, pagaria tudo isso, com folga. E o vício deixaria de ser algo escondido, para merecer tratamento.

O mundo inteiro sabe que a política de proibição e perseguição às drogas não deu certo. Só criou uma rede criminosa que vive, ricamente, do vício alheio. Os motivos que impedem a legalização são religiosos e morais. Muita gente é contra as drogas, simplesmente. Esquecem que, enquanto isso, seu filho ou sua filha podem estar numa esquina negociando com um traficante. E, caso seu filho contraia uma dívida, morrerá com uma bala na cabeça. É a lei do tráfico. Só então esses pais e mães, surpresos e chocados, dirão que não sabiam o que acontecia.


***

LEIA TAMBÉM

Resultado de imagem para IMAGENS CRIANÇA ABRAÇANDO CINTURA DA MÃE

As crianças saiam correndo para abraçá-las. Cadê minha mãe? Ficamos sozinhos no pátio – eu e minha lancheira vazia -, sob o olhar impaciente de duas funcionárias. Por Orlando Silveira
 
http://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/02/quase-historias_16.html#comment-form

Nenhum comentário:

Postar um comentário