WALCYR CARRASCO (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
A
RELIGIÃO NO LADO ERRADO
DO DEBATE
SOBRE DROGAS
A
legalização das drogas diminuiria a violência e melhoraria
o gasto público com
a polícia e a justiça
POR WALCYR
CARRASCO
ÉPOCA
DIGITAL – 14/02/2017
O tema é polêmico no mundo todo. Legalizar ou
não o consumo de drogas? Tudo começa pela maconha. Assim como os usuários
também começam com ela. Já no colégio sempre há aquela roda de amigos que curte
um “fuminho”. Entrar para esse grupo, em geral moderno e descolado, é como um
ritual de iniciação. É difícil encontrar entre os jovens de hoje algum que
nunca tenha experimentado. Todos conhecem quem usa. Eu, particularmente, não
sou a favor do uso contínuo de maconha, por observar seus efeitos no longo
prazo. Já observei que, ao se prolongar por anos, ela produz um efeito,
digamos, “apaziguador”. A pessoa perde as ambições. Não é nada físico nem mesmo
mental. É de alma, eu diria. Precisamos de uma dose de angústia para construir
projetos, viver relacionamentos. Batalhar pela vida. As pessoas ficam bem, em
paz, “na boa” quando fumam. Quando a sensação é prolongada por anos, a vida não
caminha.
– E aí, e aquela vaga de emprego?
– Não rolou.. – responde o usuário
tranquilamente, enquanto enrola mais um cigarro.
Consome-se maconha no mundo inteiro, talvez até
mesmo para aplacar as angústias do mundo moderno. Aqui, as bancas de revistas
vendem apetrechos para fumantes. Em qualquer escola, casa noturna, há quem
tenha. A maconha ilegal estabelece o contato entre um possível usuário e uma
parte mais sombria do mundo de venda de drogas. Vários estados americanos já
aprovaram o uso médico ou recreativo. O Uruguai iniciou a experiência de
produzir e permitir o uso. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar
Mendes, em 2015, votou que não via motivos para punir o usuário. Agora outro
ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, acredita que a descriminalização da
maconha é um primeiro passo que pode levar a uma política de legalização das
drogas. O raciocínio do ministro é límpido. A prisão de usuários sobrecarrega o
sistema penitenciário. E a legalização seria um golpe no tráfico.
Ministro, serei sincero com Vossa Excelência.
Seu voto é correto, perfeito do ponto de vista
legal. Mas a realidade das ruas é outra. A maconha e qualquer outra droga já
estão mais que liberadas no Brasil. Quando eu frequentava a Praia de Camburi,
no Litoral Norte de São Paulo, cansei de ver a garotada fumando a céu aberto.
Policiais passavam e nem davam atenção. Iam prender a praia toda? Nas baladas,
traficantes agem abertamente. Vendem de tudo: bala (ecstasy), cheirinho da
loló, o escambau. Maconha até que não, pois costuma ser uma droga que se usa em
roda de amigos. A droga só não paga imposto. E os jovens acabam comprando de
traficantes, o que implica uma dose de risco e leva dinheiro para praticantes
de outros tipos de crimes. Lamentavelmente, uma opinião clara e avançada como a
do ministro Barroso é atravancada por ondas de protestos de grupos religiosos –
que esquecem que este é um país laico. E pela população apavorada, que acha que
a facilidade de encontrar drogas empurraria seus filhos para o vício. É um
engano absurdo. O que facilita o vício é:
1) a proibição, que fascina os adolescentes.
Quem, na adolescência, não adorava ousar? A proibição valoriza a droga. O
usuário adolescente se sente parte de um grupo especial, que “sabe das coisas”;
2) por a droga ser proibida, pais, mães,
médicos não têm acesso à verdadeira situação do viciado, até que sua condição
se torne desesperadora. Muitas vezes, é tarde demais. A legalização das drogas
poderia ter níveis diferentes. As mais pesadas exigiriam acompanhamento médico
para a compra. O viciado seria monitorado pela família, por médicos,
psicólogos. Parece caro. Alguém vai dizer que o país tem assuntos prioritários?
Só a economia em gastos com carceragem, processos judiciais e polícia, além da
queda da violência, pagaria tudo isso, com folga. E o vício deixaria de ser algo
escondido, para merecer tratamento.
O mundo inteiro sabe que a política de
proibição e perseguição às drogas não deu certo. Só criou uma rede criminosa
que vive, ricamente, do vício alheio. Os motivos que impedem a legalização são
religiosos e morais. Muita gente é contra as drogas, simplesmente. Esquecem
que, enquanto isso, seu filho ou sua filha podem estar numa esquina negociando
com um traficante. E, caso seu filho contraia uma dívida, morrerá com uma bala
na cabeça. É a lei do tráfico. Só então esses pais e mães, surpresos e
chocados, dirão que não sabiam o que acontecia.
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