UBER VIROU OPÇÃO DE TRABALHO FOTO: ARQUIVO GOOGLE |
CRÔNICA
DO DESEMPREGO
Quando o
ex-executivo percebe, o negócio fechou
e o
dinheiro acabou. A saída é virar motorista do Uber
POR WALCYR
CARRASCO
ÉPOCA ON-LINE
– 07/02/2017
Ele trabalhou a vida inteira em uma empresa.
Subiu. Tornou-se diretor. Mas há sempre uma crise pronta para detonar uma
bomba. À medida que os anos passam, surge um processo de “modernização” na
empresa. Na prática, substituir os velhos pelos novos. Ainda mais nos tempos de
internet, em que o mais velho nem sempre é tão bom no uso de tecnologia e redes
sociais quanto o mais novo. Tem mais: a crise de desemprego que assola o país.
As empresas estão num processo de enxugamento. Quem ficar, fica, mas trabalha
três vezes mais. O diretor todo-poderoso é o desempregado de amanhã. Só que ele
sai, recebe uma grana e, calmamente, tira férias com a família em algum lugar
no exterior. Vai procurar alguma coisa depois. Mantém o padrão de vida, alto.
Acredita que, com sua experiência, não tardarão a surgir ofertas.
Só que não surgem.
Mesmo os amigos, bem empregados ou donos de
empresas, não têm notícia de vaga a sua altura. Se aparece, com salário mais
baixo e função menor, a partir de certo momento de desespero ele está disposto
a aceitar. Os possíveis empregadores resolvem que não. Argumentam.
– Você não vai se sentir confortável nesse
cargo, muito abaixo de sua capacidade.
Os meses passam, o dinheiro escoa. Há promessas
feitas, tem de cumprir: o intercâmbio da filha, em dólares; o jantar de
aniversário num restaurante caro, que ele paga. Enfim, o ex-poderoso resolve
montar sua própria empresa. Em geral, opta por algo que tenha a ver com seu
estilo de vida e gosto pessoal. Importação de vinhos, por exemplo. Há algo que
sempre digo quando vejo alguém nessa situação:
– Agora a empresa é sua. Economize nos clipes!
Executivos com longa carreira em empresa grande
estão acostumados com estruturas macro. Alugam um bom conjunto comercial.
Decoram. Botam secretária. Criam uma estrutura confortável, mas cara.
Resultado: a empresa custa mais que
fatura. O executivo vai pondo dinheiro. As reservas se esgotam. Ah, bom. Tem
aquele quadro comprado na abundância. Leiloa-se. Dispensa-se o motorista. As
idas a restaurante de luxo diminuem ou acabam. Aí a empresa que montou vai por
água abaixo. Fica sem renda. A família ajuda aqui e ali, quando pode. Muitos,
porém, vêm da classe média, subiram por meio do estudo. E o pais têm menos que
eles. Obviamente, há níveis e níveis. Conheci um executivo de menor porte que,
depois de dois anos sem nada, montou com a mulher uma van de cachorro-quente.
Também não deu certo. Foram morar com a sogra. Numa das brigas – falta de
dinheiro sempre dá briga –, saiu de casa. Foi morar na rua. Depois, não soube
mais dele. Outros têm mais sorte. A mulher herdou alguma coisa, por exemplo. Um
apartamento. Botam à venda, perdem dinheiro no negócio. Enfim, conseguem um
capitalzinho para recomeçar.
WALCYR CARRASCO (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Justamente por isso, estão surgindo novos ramos
de negócio. Já conheço dois casos em que a opção foi montar uma loja de
churrasco. Vendem tudo o que é necessário: a carne, o sal grosso, o espeto.
Hiperespecializada, mas funciona. As pessoas gostam de fazer churrasco – e, se
assim fica mais fácil, melhor. Também têm se multiplicado as barbearias retrô.
Já me convidaram para ser sócio de uma. São barbearias onde ainda se faz o
corte à navalha. Mas têm bebidas, música. Quase uma festa. O cliente faz a
barba, bebe e se diverte. Também surgiu uma onda de lojas de bolos caseiros.
São os bolos simples e baratos, como se fossem feitos pela vovó (embora as
vovós de hoje prefiram fazer plástica e não bolos). Há redes grandes e
pequenas. Têm aspecto artesanal. Já apareceram também as de brigadeiros e
pudins. Até em shopping há quiosque de pudim. Os desempregados menos apegados a
seu estilo de vida partem para uma alternativa dessas ou algo na mesma linha.
Em geral, porém, quando alguém, como o
ex-diretor de quem eu falava, cai na real é tarde demais para montar um negócio
mais simples, mais prático. O dinheiro acabou. A saída é o Uber. Em grandes
centros, como São Paulo, há até fila para ser motorista do Uber. As locadoras
alugam veículos para isso. É uma atividade em franca expansão, por oferecer um
serviço diferenciado, frequentemente mais barato que um táxi convencional.
Confesso, já fiquei muito de mau humor em táxis cujos motoristas nunca têm
troco ou pegam caminho ruim. No Uber, não. O valor é informado antes. Os
motoristas são educados. Não se espante se amanhã tomar um e der de cara com
seu ex-patrão. A trajetória de alto executivo a motorista de Uber tornou-se
mais comum do que se pensa.
***
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