segunda-feira, 31 de agosto de 2015

FALA, OTÁVIO

olhares.sapo.pt

DESAPARECIMENTOS

(Por Otávio Nunes) O primeiro a sumir foi meu filho mais velho, que saiu de casa logo cedo para trabalhar. Não chegou ao seu serviço e tampouco voltou para casa. Perdeu-se em algum lugar do mistério. Procurei por ele nas esquinas do mundo, nos buraco negros do universo, nas constelações e nebulosas e também nos planetas mais próximos da Terra. Nenhuma pista, sequer uma pegada na areia ou um fio de cabelo. Desintegrou-se totalmente.

Tempos depois, foi-se minha menina, a do meio. Ela foi à escola, como em todas as manhãs, mas não chegou lá e nem regressou para casa depois do almoço. Cacei por ela nos livros, nos cadernos, no diário de classe da professora, no jardim da escola, na perua que a transportava, dentro dos caroços de feijão, nas pétalas das rosas, em seu diário, nas músicas que ouço e nas poesias de Fernando Pessoa. Nada encontrei. Tudo em vão.   

Sobrou apenas meu filho menor até que um dia ele foi brincar com o amiguinho do vizinho e perdeu-se nos milímetros entre o nosso portão e a calçada. O amiguinho nem chegou a vê-lo. Iniciei uma busca hercúlea pelos carrinhos dele, entre suas bolinhas de gude, nas varetas de sua pipa, atrás do pé de chuchu, debaixo da almofada do sofá, atrás da televisão. Cheguei até a cortar sua bola de futebol na esperança que o encontrasse lá dentro. Tudo em vão. Nunca mais o vi.

OTÁVIO NUNES É JORNALISTA

Minha mulher desapareceu numa manhã fria entre o caminho de casa e a padaria da esquina. Fui atrás dela em todos os lugares possíveis, na casa de amigas, debaixo da pia, dentro da geladeira, ao lado do tanque de lavar roupa, nas panelas, no guarda-roupa, nas gavetas. Procurei até dentro do meu coração, o qual tornou-se vazio a partir de então.

Tenho feito o possível para desaparecer também, mas continuo aqui sentado no sofá, com meu pijama sujo, minha sandália fedorenta, comendo macarrão instantâneo. A falta de minha prole talha-me por inteiro. Sinto-me eviscerado como um salmão na peixaria. Não tenho mais ninguém. Até os vizinhos sumiram, junto com seus cachorros, pássaros e samambaias. Lá fora, apenas o nada. O que me conforta é saber que tenho um revólver guardado no cofre. Se é que ainda não sumiram com ele.  


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