Bernard Shaw (1856-1950) foi dramaturgo e romancista irlandês. Prêmio Nobel de Literatura em 1925. |
LONGEVIDADE
George
Bernard Shaw morreu aos 94 anos de idade, no dia 2 de novembro de 1950. Treze
meses depois, na cidade do Recife, no outro lado do Oceano Atlântico, eu nasci.
Ou seja, nem contemporâneos fomos.
Mas,
sempre me interessei por esse homem longevo, que lamentava a solidão da velhice
e que evocava o socialismo com uma sinceridade quase comovente. Defensor
intransigente da classe trabalhadora, sempre se colocou contra a sua
exploração. Do mesmo modo, defendia direitos iguais para homens e mulheres,
coisa impensável na sua época, e a socialização das propriedades produtivas. Um
idealista, sem dúvida.
Dizia
Shaw que o problema da vida longa era a ausência dos amigos já mortos e a
sensação de solidão que disso advinha. Não se vive muito impunemente. Entre
outras coisas, dizia: “As nossas escolas ensinam a moral feudal corrompida pelo
comércio e oferecem como modelo de homens ilustres e que tiveram sucesso o
militar conquistador, o barão ladrão e o explorador”.
Mas
nem só de idealismos vivem os longevos. Dona Dita, a minha sogra, por exemplo,
aos oitenta e cinco anos, manifesta uma simplória alegria em estar viva. Com a
sua simplicidade ingênua, diz-se feliz na velhice e arremata: “Quem não quiser
ficar velho que morra jovem”. Livre das doenças crônicas da terceira idade,
como a hipertensão e a diabetes, ainda coloca a linha no fundo da agulha sem o
uso dos óculos e curte uma cervejinha com moderação.
Tio
Luisinho, outro macróbio da família, acaba de completar 99 anos de idade,
comemorados com muita festa na cidade de Carolina, onde reside, situada no sul
do Estado do Maranhão, às margens do rio Tocantins. Até algum tempo atrás,
ainda se arriscava em passeios de bicicleta pela cidade pacata e bucólica.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Um
outro tio da minha cara metade, o qual não lembro o nome agora, antecipou-se à
família e mandou construir o esquife do seu funeral. Guardado em casa por
longos anos, o caixão foi emprestado a vários amigos, antes de abrigar
definitivamente o próprio dono. Ou seja, uma família cujos membros costumam
viver muito.
Outro
dia, ao comentar esse assunto com o amigo e escritor Urariano Mota, ele me
recomendou: “Te cuida, Clóvis!”. Isso, num sábado pela manhã, no Mercado da Boa
Vista, ao lado do poeta Miró da Muribeca e do amigo Joaquim, quando tudo
conspirava contra a abstenção. Mas, contive-me e me comportei como deve se
comportar um homem que ainda se recupera de um acidente vascular cerebral
isquêmico. Experimentei apenas a gorda rabada servida pela simpática garçonete.
Afinal, ninguém é de ferro!
Voltando
a Shaw, era vegetariano e, quando lhe perguntavam o por que da sua jovialidade,
respondia: “Aparento a idade que tenho. Os outros é que parecem ser mais velho.
Mas, o que esperar de quem se alimenta com cadáveres?”.
Recife, agosto 2015
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