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COLAR DE PÉROLAS
(Por Otávio Nunes) O
negro Benedito cavalgava de volta pela estrada, feliz como o passarinho que
leva no bico um inseto para os filhotes no ninho. Tinha ido à cidade, depois de
anos, levar encomenda de seu patrão ao intendente da comarca. A cidade estava
diferente e movimentada: brancos, negros e índios andavam pela rua, como se fossem
iguais.
Ao
ver um pé de jabuticaba, a poucos metros da estrada, Benedito interrompeu o
campeio, apeou do cavalo e foi se fartar das frutinhas saborosas que abundavam
em todos os setembros. E, naquela primavera de 1866, não era diferente. Comeu
até sentir a boca “amarrada” e encheu o embornal para levar as pretinhas para
seus filhos na senzala.
Ao
adentrar novamente na estrada, puxando o cavalo pelo focinho, pisou num objeto
duro. Pegou a coisa, tirou o barro, limpou com a camisa e vislumbrou um colar
cheio de bolinhas quase brancas. Pôs no bolso para dar a Conceição, sua
companheira. “Mulher gosta dessas coisas”, pensou.
Sua
companheira estava orgulhosa pelo homem que tinha. Apesar dos anos e dos
cabelos brancos como cabeça de alho, Benedito era um negro de estirpe e
trabalhava de sol a sol, sem reclamar. Seu pai viera de Angola, de uma tribo
guerreira que matou muitos brancos antes de ser aprisionada. O velho, que nem
nome brasileiro tinha, sobreviveu num navio por vários meses, comendo batata crua
e bebendo água salobra. Na palma da mão, sementes de feijão andu, que ele
semeou na fazenda logo que começou a trabalhar como escravo. Benedito nasceu
dois anos depois.
Bendito
entrou na fazenda como um general numa cidade conquistada, cabeça altiva. Dirigiu-se,
então, ao escritório do patrão a fim de entregar a carta do intendente. Teve de
esperar, pois o fazendeiro atendia um visitante especial, o futuro genro. Sem
entender as palavras, Benedito escutou parte da conversa.
--
Meu futuro sogro, acredite, o trem da República está chegando ao Brasil e um de
seus vagões trará a libertação dos escravos.
--
Rapaz, você foi à capital para estudar as leis, não modificá-las. Também fui
jovem e sonhei. Hoje, sou realista. Quando você desposar minha filha, Ana Rita,
juntará as terras do seu pai e as minhas. Pense nisso. Precisará do trabalho
dos negros. Por enquanto você é um apenas um idealista, mas vai acordar do
sonho.
--
Sou sonhador, sim. E sinto honra em sê-lo. Nos Estados Unidos da América,
mister Abrahan Lincoln libertou os escravos, a ferro e fogo. Guerreou com os
sulistas conservadores e os derrotou. Pagou com a própria vida, mas garantiu a
unidade da federação e a liberdade dos negros. O futuro é inevitável, meu
sogro.
Despediu-se
e saiu. Minutos depois, Benedito entrou e entregou a carta ao patrão.
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No
dia seguinte, o comentário das mucamas na casa-grande era um só: o colar de
Conceição. Foram tantas as conversas que chegaram ao ouvido de Ana Rita. Era o
seu colar que adornava o pescoço de Conceição. Havia notado a falta da jóia
fazia três dias, logo que tinha voltado da cidade onde fora mostrar o belo
presente de casamento a suas amigas. Apolônio o comprara de um joalheiro
francês, no Rio de Janeiro, para Rita usar no dia do casamento.
Benedito
e Conceição foram acusados pelo roubo do colar. A história contada pelo velho
escravo não convenceu o fazendeiro, sua filha ou Apolônio. Nada adiantou falar
da estrada, da jabuticaba, do colar no barro. O castigo foi duro e exemplar.
Benedito e sua mulher foram executados em frente à senzala, na frente de
centenas de escravos daquela e de outras fazendas. Apolônio achou justo e
apoiou o castigo, no que foi elogiado pelo sogro.
Uma
semana depois, os noivos se casaram na igreja da cidade em grande celebração.
No pescoço de Rita, o reluzente colar de pérolas, tão alvo que parecia nunca
ter se hospedado na pele escura de Conceição ou no barro da estrada.
Enquanto
arrumava suas malas para a viagem de núpcias à Europa, inadvertidamente o jovem
idealista olhou para a parede de seu escritório e viu o quadro de um homem
cortando lenha, escrito embaixo Abrahan Lincoln.
OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
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