segunda-feira, 24 de agosto de 2015

FALA, OTÁVIO

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CORDILHEIRAS (*)

(Por Otávio Nunes) Quero ser o comandante que humilha seus soldados e elogia os farsantes e covardes. Levarei meus pelotões propositalmente, aos poucos, para enfrentar um inimigo dez vezes mais poderoso, até que o último de meus combatentes caia a meus pés, clamando piedade.

Pretendo usurpar o recém-nascido do colo da mãe, enquanto mama. Direi à pobre mulher que presto favor a ambos ao evitar um futuro incerto da criança, crescendo ao lado dela, e os aborrecimentos que traz um filho a quem o gerou. 

Minha idéia é substituir a língua e a cultura deste povo infeliz por outras de uma sociedade bem distante, mais evoluída. Transformarei esta terra inútil numa colônia subserviente que abaixe a cabeça sempre que o dominador passar, sem pedir licença.

Submeterei os moços ao poder dos velhos. Farei com que a juventude se torne um exército de aflitos e errantes na vida.

OTÁVIO NUNES É JORNALISTA

Levarei a cabo experiência para adaptar os peixes à terra firme. Despovoarei lagos, rios e mares para provar que estes seres aquáticos só irão evoluir quando deixar a água.

Quero ter a mesma sensação das cordilheiras ao desabar sua aridez e seu gelo sobre as flores inocentes e rasteiras que teimam em crescer nos desvãos da rocha. Irei me divertir com o desespero da presa nas garras do predador.

Pretendo apenas ser cruel e algoz, naturalmente. Descerei aos porões, ao mundo abissal. Pisarei no lodo e atravessarei pântanos. Quero descobrir onde o mal nasce e destruir sua nefasta semente. (Otávio Nunes)

(*) Crônica baseada na música homônima de Paulo César Pinheiro e Sueli Costa, gravada por Simone, em 1979.





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