terça-feira, 10 de outubro de 2017

POLÍTICA/OPINIÃO: TÂNIA FUSCO

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Ilustração: Eric Drooker

PATÉTICOS PATETAS

S. Paulo merece mais do que um ocasional varredor de ruas,
contumaz viajante, ator constante de vídeos-post.
Nos derradeiros dias, também praticante da impolidez

Por Tânia Fusco
Blog do Noblat
10/10/2017 - 01h25


O diabo não há. Existe é o homem humano.
(Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas)

Censura não! Passa da conta de tolerância dos que advogam a tolerância.

Viver no Brasil é negócio muito perigoso. Bomba relógio. Panela de pressão em fogo alto do gás metano da intolerância – siamesa da ignorância.

O que faz brilhar olhos de uns, pode até meter medo em outros. O direito de apreciar ou não é inerente à democracia. Se não aprecia, não veja. Entrou desavisado? Saia. Até proteste. Feche sua porta. Use burca. Corra. Reze. Mas sem impedir que os que apreciam possam ver.

Limite de comportamento é coisa de se impor a si próprio, aos seus.

Censura é treva, ferramenta afiada do autoritarismo. E esse, sempre que praticado, dá M.

Há intensa má intenção em fazer artes e artistas de vilões. Não são.

Desenhos e representações artísticas, corpos masculinos nus, em salas de museu, não merecem histeria e mimimi até de autoridades constituídas. (Fossem corpos femininos podia? Pode, vá. Você aí, moralista convicto, perderia esse selfie? Pedia censura? Ou recomendava - e levava - outros para apreciar o espetáculo?).

O problemão criado tem focinho de causo pensado, um jeito ajeitado de desviar atenção das mazelas tantas - deles, particularmente, por (mal) feitos ou consentidos. E assim tirar olhos de alhos para bugalhos.

Também ganhar mídia, fazer média com o pensamento médio. Dar uma escapada básica da responsabilidade de governar na real uma cidade falida e em guerra, outra atolada na confusão de seu gigantismo. Danadinhos!

São Paulo merece mais do que um ocasional varredor de ruas, contumaz viajante, ator constante de vídeos-post. Nos derradeiros dias, também praticante da impolidez.

O Rio merece um prefeito que respeite a diversidade do Rio – marca da cidade.

Antes de reforçar a estupidez, um deveria desengomar-se, descer do jatinho - também do salto carrapeta e do sorriso X - para aterrissar na cidade que o elegeu para alcaide, não para candidato a candidato.

                       
O outro deveria descer do púlpito e encarar o diabo concreto que vive no seu quintal. Há uma guerra aí, senhor burgomestre. E não é virtual, nem imaginária. Prefeito não tem polícia, mas deveria ter obrigatório respeito por todos – os que lhe deram votos, os que não. Eleição é eleição. Governo é governo. Cidade não é igreja. Museu também não. É da cidade. Existe para o deleite dos cidadãos. Avisar ao bispo ajuda?

Liberdade não é relativa, nem concedida. Nas democracias - e só nelas - é direito inalienável de todos (até das bestas).

Dá trabalho alcançar e praticar democracia e liberdade de ação, de expressão e de pensamento. Isso é autonomia. Difícil de conseguir! Implica pensar, refletir, compreender e conviver com a diferença. Coisas que dão um trabalhão.  E vão muito além de ler, escrever e diplomar-se.

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Mais fácil espelhar nas artes diabos que vivem dentro de mim.  Histérico, levanto a cruz da censura contra eles – os meus monstros que vejo nos outros.

Quantos dos cruzadeiros pró-censura manifestaram indignação pelo menino posto à disposição de um estuprador numa prisão do Piauí? Há milhares de abusados no país. Vítimas de abusos reais. Que governante faz cruzada e post em favor deles?

Muito mais fácil alvejar artes e artistas.

Assim, intransigente apatetado, sigo saudosista do atraso. Minha vidinha besta será protegida pela censura que eu pedi. Eu sem luz, todos no escuro.

Obreiro, carneiro, pago dízimos e promessas para alcançar um paraíso de paredes cinza - sem artes, nem artistas, nem ninguém que ouse praticar bíblia diferente da minha.

PS.: Na ditadura, nos dez anos de vigência do AI-5 (1968-1978), 500 filmes, 450 peças, 200 livros e mais de 500 letras de música foram censurados. As alegações para cortes ou proibições total da obra eram ao gosto do censor - cenas de sexo, palavrões, sugestão de propaganda política, conteúdo subversivo e o indefectível, “atentado à moral e aos bons costumes”. O órgão responsável por esse “zelo” todo era a Divisão de Censura de Diversões Públicas, que durou até 1988, quando a nova Constituição pôs fim à censura.

Ontem, no Facebook, em comentário sobre um post compartilhado de Caetano Veloso, fui avisada: os artistas que estão defendendo liberdade de expressão vão levar “um coturno no C”. Com detalhe: “O recado é para o Caetano”.

Viver no Brasil anda negócio muito perigoso.

Tânia Fusco
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Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano no Blog do Noblat

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