Ilustração: Eric Drooker |
PATÉTICOS
PATETAS
S. Paulo
merece mais do que um ocasional varredor de ruas,
contumaz
viajante, ator constante de vídeos-post.
Nos
derradeiros dias, também praticante da impolidez
Por
Tânia Fusco
Blog
do Noblat
10/10/2017
- 01h25
O
diabo não há. Existe é o homem humano.
(Guimarães
Rosa. Grande Sertão: Veredas)
Censura
não! Passa da conta de tolerância dos que advogam a tolerância.
Viver
no Brasil é negócio muito perigoso. Bomba relógio. Panela de pressão em fogo
alto do gás metano da intolerância – siamesa da ignorância.
O
que faz brilhar olhos de uns, pode até meter medo em outros. O direito de
apreciar ou não é inerente à democracia. Se não aprecia, não veja. Entrou
desavisado? Saia. Até proteste. Feche sua porta. Use burca. Corra. Reze. Mas
sem impedir que os que apreciam possam ver.
Limite
de comportamento é coisa de se impor a si próprio, aos seus.
Censura
é treva, ferramenta afiada do autoritarismo. E esse, sempre que praticado, dá
M.
Há
intensa má intenção em fazer artes e artistas de vilões. Não são.
Desenhos
e representações artísticas, corpos masculinos nus, em salas de museu, não
merecem histeria e mimimi até de autoridades constituídas. (Fossem corpos
femininos podia? Pode, vá. Você aí, moralista convicto, perderia esse selfie?
Pedia censura? Ou recomendava - e levava - outros para apreciar o espetáculo?).
O
problemão criado tem focinho de causo pensado, um jeito ajeitado de desviar
atenção das mazelas tantas - deles, particularmente, por (mal) feitos ou
consentidos. E assim tirar olhos de alhos para bugalhos.
Também
ganhar mídia, fazer média com o pensamento médio. Dar uma escapada básica da
responsabilidade de governar na real uma cidade falida e em guerra, outra
atolada na confusão de seu gigantismo. Danadinhos!
São
Paulo merece mais do que um ocasional varredor de ruas, contumaz viajante, ator
constante de vídeos-post. Nos derradeiros dias, também praticante da impolidez.
O
Rio merece um prefeito que respeite a diversidade do Rio – marca da cidade.
Antes
de reforçar a estupidez, um deveria desengomar-se, descer do jatinho - também
do salto carrapeta e do sorriso X - para aterrissar na cidade que o elegeu para
alcaide, não para candidato a candidato.
O
outro deveria descer do púlpito e encarar o diabo concreto que vive no seu
quintal. Há uma guerra aí, senhor burgomestre. E não é virtual, nem imaginária.
Prefeito não tem polícia, mas deveria ter obrigatório respeito por todos – os
que lhe deram votos, os que não. Eleição é eleição. Governo é governo. Cidade
não é igreja. Museu também não. É da cidade. Existe para o deleite dos
cidadãos. Avisar ao bispo ajuda?
Liberdade
não é relativa, nem concedida. Nas democracias - e só nelas - é direito
inalienável de todos (até das bestas).
Dá
trabalho alcançar e praticar democracia e liberdade de ação, de expressão e de
pensamento. Isso é autonomia. Difícil de conseguir! Implica pensar, refletir,
compreender e conviver com a diferença. Coisas que dão um trabalhão. E vão muito além de ler, escrever e
diplomar-se.
Mais
fácil espelhar nas artes diabos que vivem dentro de mim. Histérico, levanto a cruz da censura contra
eles – os meus monstros que vejo nos outros.
Quantos
dos cruzadeiros pró-censura manifestaram indignação pelo menino posto à
disposição de um estuprador numa prisão do Piauí? Há milhares de abusados no
país. Vítimas de abusos reais. Que governante faz cruzada e post em favor
deles?
Muito
mais fácil alvejar artes e artistas.
Assim,
intransigente apatetado, sigo saudosista do atraso. Minha vidinha besta será
protegida pela censura que eu pedi. Eu sem luz, todos no escuro.
Obreiro,
carneiro, pago dízimos e promessas para alcançar um paraíso de paredes cinza -
sem artes, nem artistas, nem ninguém que ouse praticar bíblia diferente da
minha.
PS.:
Na ditadura, nos dez anos de vigência do AI-5 (1968-1978), 500 filmes, 450
peças, 200 livros e mais de 500 letras de música foram censurados. As alegações
para cortes ou proibições total da obra eram ao gosto do censor - cenas de
sexo, palavrões, sugestão de propaganda política, conteúdo subversivo e o
indefectível, “atentado à moral e aos bons costumes”. O órgão responsável por
esse “zelo” todo era a Divisão de Censura de Diversões Públicas, que durou até
1988, quando a nova Constituição pôs fim à censura.
Ontem,
no Facebook, em comentário sobre um post compartilhado de Caetano Veloso, fui
avisada: os artistas que estão defendendo liberdade de expressão vão levar “um
coturno no C”. Com detalhe: “O recado é para o Caetano”.
Viver
no Brasil anda negócio muito perigoso.
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Tânia Fusco é jornalista,
mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de
dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e
coisinhas do cotidiano no Blog do Noblat
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