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NOS
OLHOS DE QUEM VÊ
Americanos
se incomodam com contatos físicos,
ficam tensos, afastam o corpo e evitam beijos.
Freud dizia que onde há medo há desejo
ficam tensos, afastam o corpo e evitam beijos.
Freud dizia que onde há medo há desejo
Por Nelson
Motta
O
Globo – 13/10/2017
Assim
como a beleza, a obscenidade e a perversão estão nos olhos, e na cabeça, de
quem as vê nos atos mais inocentes e naturais.
No
Colégio Santo Inácio, eu e o amigo Miguel Faria tínhamos 14 anos e éramos
loucos por cavalos. Vivíamos no Jockey, sabíamos filiações, retrospectos,
jóqueis e treinadores, matávamos aula para ir às corridas e jogávamos até o
dinheiro que as mães nos davam para o lanche.
Um
dia, os padres descobriram as fugas, e nossos pais foram chamados ao colégio e,
diante deles, fomos acusados pelo padre de ir ao Jockey, não para jogar, mas
para ver os cavalos trepando. O pervertido sequer sabia a diferença entre um hipódromo
e um haras, só pensava naquilo.
Uma
noite, no Canecão, estava com minha filha Joana, uma gata de 17 anos, quando
ouvimos no escuro uma mulher sussurrando na mesa ao lado: “Que nojo esse Nelson
Motta, com uma garota que podia ser filha dele”. Joana revidou na hora: “Eu sou
filha dele.”
Quando
morava em Nova York, notei que nos restaurantes nos olhavam esquisito quando me
viam com minha filha Nina, uma linda garota de 18 anos, trocando gestos de
carinho e afeto, como sempre fizemos, bem à brasileira.
Pela
cultura puritana, americanos se incomodam com contatos físicos, mesmo amigos
evitam beijos, abraços e gestos carinhosos, tipicamente latinos. Ficam tensos,
afastam o corpo, parece que temem algum desdobramento indesejado, ou desejado
demais: Freud ensinava que onde há medo há desejo.
Então,
resolvemos nos divertir com aqueles pervertidos que nos viam, certamente com
secreta inveja, como um devasso de 54 anos e uma jovem depravada. Nos
beijávamos e abraçávamos nos restaurantes como se estivéssemos em casa: com
amor, inocência e naturalidade, e ficávamos olhando, e rindo, dos que nos
olhavam com raiva e reprovação.
E
no final, o golpe mortal: Nina levantava o braço, chamava o garçom e pedia a
conta. E pagava com seu cartão de crédito (de minha dependente)! Era
intolerável: a jovem devassa ainda pagava a conta do velho tarado.
E
saíamos abraçados e rindo das caras revoltadas, e invejosas, dos moralistas
pervertidos.
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