JULGAMENTO DO STF DECIDE
QUE PAÍS É O BRASIL
Se decidir que a palavra final sobre sanções cautelares
cabe aos congressistas, demonstrará que o Brasil
é um país em que as pessoas que vivem de esperança
arriscam-se a morrer de fome
Por Josias de Souza
UOL – 11/10/2017 | 02:40
Nem todo mundo se deu conta. Mas o julgamento que o Supremo Tribunal
Federal realiza nesta quarta-feira tem importância transcendental. Numa visão
reducionista, a Suprema Corte define se tem ou não poderes para impor aos
congressistas sanções cautelares como as que foram atravessadas no caminho do
investigado Aécio Neves. Em verdade, está em jogo algo muito maior. Os 11
ministros do Supremo decidem que país é o Brasil.
No momento, o humor do Brasil é sombrio. Flerta com a depressão.
Compreensível, pois já não há beira do abismo. O que existe agora é a vida no
abismo. A corrupção, por epidêmica, levou lama demais ao noticiário. Surgiu um
desejo convulsivo de limpeza. Há no ar uma fome de lei. Imaginou-se que a safra
punitiva de Curitiba e do Rio de Janeiro aplacaria os apetites. Engano.
Enquanto não chegar a Brasília, a higienização parecerá tragicamente
incompleta.
Na primeira instância de Curitiba, produziram-se 165 condenações contra 107 pessoas, entre elas Lula. Juntas,
somam 1.635 anos, 7 meses e 25 dias de cadeia. No primeiro grau do Rio,
emitiu-se uma sentença com 13
condenados, incluindo Sergio Cabral. Somadas, as penas chegam a 153 anos e 4
meses de cadeia. Em Brasília, no foro privilegiado do Supremo, não há vestígio
de condenações. Repetindo: nenhum ministro ou congressista encrencado na Lava
Jato foi condenado pela Suprema Corte. Denunciado um par de vezes, o presidente
despacha como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.
Reza a Constituição que o Supremo não pode mandar prender
parlamentares senão em casos de flagrante de crime inafiançável. Deseja-se
agora sonegar às togas supremas também o poder de impor aos parlamentares
sanções cautelares diferentes de prisão. Estão enumeradas no artigo 319 do
Código de Processo Penal. Incluem o afastamento das funções públicas, como
decidido em relação a Eduardo Cunha, em 2016. Preveem também o recolhimento
domiciliar noturno, como foi adicionado no caso de Aécio Neves.
Em ação ajuizada em maio de 2016, partidos aliados de Eduardo Cunha
alegaram que, a exemplo do que já ocorre com a prisão em flagrante, também as
sanções cautelares contra parlamentares teriam de ser submetidas em 24 horas à
Câmara ou ao Senado. Que poderiam anular as punições. Pior: em pareceres
anexados à ação dos amigos de Cunha, hoje utilíssima para Aécio, a
Advocacia-Geral da República e as duas Casas do Legislativo sustentam que o
Supremo não tem poderes para punir cautelarmente um congressista.
Se o Supremo exibir nesta quarta-feira um comportamento de Supremo,
revelará que o Brasil é um país com direito a um começo. Se decidir que a
palavra final sobre sanções cautelares cabe aos congressistas, demonstrará que
o Brasil é um país em que as pessoas que vivem de esperança arriscam-se a
morrer de fome. Se o Supremo se autoconverter em sub-Supremo, decretando que
não tem poderes para adotar providências acauteladoras contra eleitos que
assaltam os eleitores… Bem, neste caso, ficará entendido que o Brasil é um país
sem jeito.
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