sábado, 14 de outubro de 2017

POLÍTICA/OPINIÃO: J.R. GUZZO

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil 

PENSAR? NEM PENSAR

O Brasil está fazendo todo o esforço possível para abolir
a lógica e a razão no debate sobre a vida pública

Por J.R. Guzzo
VEJA.ABRIL.COM.BR/BLOG/FATOS
12/10/2017 - 13h13

Fala-se muito mal do prefeito João Doria nos meios de comunicação, nas redes sociais, nos ambientes que neste país passam por intelectuais, ou esclarecidos, e geralmente em todo lugar, situação ou grupo de gente onde for humanamente possível achar alguma coisa ruim a respeito dele. O prefeito de São Paulo é uma dessas pessoas que parecem geneticamente programadas para causar acessos de irritação extrema em quem, seja lá pelo motivo que for, não gosta do que ele diz, nem do que faz e nem da sua cara – para falar a verdade, principalmente da sua cara. De outros personagens da comédia de picadeiro na qual se resume a política de hoje no Brasil, os adversários discordam, com mais ou menos educação, ou dizem as coisas que em geral são ditas para quem está do outro lado da gritaria. Mas com Doria o simples desacordo não é suficiente. Ele desperta a ira em estado bruto dos inimigos – ou, como talvez dissesse o ex-deputado Roberto Jefferson, repetindo a célebre frase que dirigiu anos atrás ao ex-ministro José Dirceu, os “sentimentos mais primitivos” do ser humano.

O que chama a atenção no caso de João Doria é que ele é detestado por ser João Doria. Quase ninguém se dá ao trabalho de julgar o prefeito pelo que ele faz; quase todos o julgam pelo que pensa, ou diz que pensa. Não interessa se Doria está sendo um bom ou mau prefeito de São Paulo. O que interessa é falar que ele é do mal – e que está sempre errado, o tempo todo, mesmo se disser que o Natal cai no dia 25 de dezembro. É o tipo da coisa que só emburrece um debate que já é burro o suficiente, como acontece com praticamente tudo o mais quando se conversa de política hoje em dia neste país. Há um desprezo cada vez maior, de todos os lados, pelo ato de pensar – parece algo desnecessário, irritante e ofensivo, sobretudo se você diz alguma coisa, qualquer coisinha, que não combine com “o que a sociedade está dizendo”.

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J. R. GUZZO


Nessa desordem mental, a última preocupação é julgar alguém pelas suas realizações concretas. Não se ouve a pergunta mais simples: “O que ele fez até agora?” Melhorou alguma coisa? Piorou? O que? A vida dos contribuintes de São Paulo ficou mais cômoda? Fala-se pouquíssimo disso tudo – e quando se fala não há nenhum esforço real para apresentar fatos. No episódio de João Doria, seus oponentes talvez fizessem bem melhor se conseguissem substituir a raiva pela lógica. Ele teria dificuldades, por exemplo, para apontar uma única diferença visível entre a sua administração e a do seu antecessor Fernando Haddad, em matéria dos cuidados mínimos que uma cidade tem o direito de receber – o que se chama de “zeladoria”. O abandono, a inépcia e a miséria de resultados continuam os mesmos. A prefeitura não consegue cuidar dos sinais de trânsito, do calçamento abominável das ruas, do corte de mato nas áreas verdes, da iluminação pública, do estacionamento abusivo nas ruas, da limpeza dos bueiros, do lixo largado pelas calçadas. Não conseguiu, nem sequer, eliminar uns poucos metros nas faixas de ciclismo mais extravagantes que o prefeito anterior criou, com o propósito de punir “os ricos” e dar lições de ideologia viária à população. Os problemas, na visão da Prefeitura, se dividem em apenas duas categorias: os muito difíceis e os impossíveis de resolver. O zelador quer ser síndico, mas não consegue cuidar nem do portão da garagem – não faz, simplesmente, o serviço para o qual foi eleito. Mas quem está interessado nesse tipo de detalhe? Nem pensar. É muito mais fácil dizer que Doria é de direita – e não se fala mais no assunto.

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