MUDAR OU NÃO
MUDAR
Somente
em 2018 a sociedade brasileira
poderá
responder a tantos anos de ultraje
Por Fernando
Gabeira
O Estado
de S. Paulo
06/10/2017
| 03h05
Parei algumas vezes esta semana para pensar
2018. Compreendo o pessimismo em que estamos envolvidos no momento. Mas,
olhando para trás, as eleições de 2018 podem se livrar de alguns sérios
problemas deste período democrático.
O primeiro instrumento para isso é a Lei da
Ficha Limpa. Independentemente até do alcance que a interpretação do STF lhe
der, é um filtro imposto pela própria sociedade. Um segundo filtro potencial,
que também depende do STF, é acabar com o foro privilegiado. A Ficha Limpa
exclui condenados, o foro privilegiado é um refúgio para os que querem escapar
da condenação.
Se o Supremo escolher esse caminho sensato,
não estará fazendo bem apenas ao processo político-eleitoral, mas a si próprio.
Pode se livrar de centenas de processos e, simultaneamente, livrar-se do Código
Penal, cuidar mais da Constituição.
Nas mãos do Supremo está outro fator de
mudança: a liberação de candidaturas independentes. Reconheço que é
contraditória com o princípio que levou à cláusula de barreira, um mecanismo
que exclui partidos pouco votados. A ideia, aqui, era de combater a
fragmentação, que torna o País ingovernável e o predispõe ao toma lá, dá cá que
marcou o colapso do chamado presidencialismo de coalizão. Mas candidatos
independentes estarão propondo mudanças e tendem a ser mais monitorados por
seus eleitores, que, nesses casos, costumam ter papel decisivo na eleição.
Aliás, se houve um momento neste longo período democrático em que valia a pena
testar um novo caminho, esse momento é este.
"Se os Parlamentos tivessem resposta adequada a cada caso
de quebra de decoro, os juízes não precisariam adotar
medidas cautelares. Em alguns países o próprio acusado se afasta,
em outros é afastado pelo Conselho de Ética"
A posição de procuradora-geral Raquel Dodge
foi favorável às candidaturas avulsas. Não há nada que as proíba na
Constituição e estão, segundo ela, amparadas no Pacto de São José, que vem a
ser a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Todos esses fatores contribuem para um tipo
de eleição melhor que no passado. No entanto, quando penso em 2018 ainda não
consigo equacionar alguns problemas das eleições brasileiras que percebi
agudamente em 2010. Naquelas eleições descobri um pequeno exército de robôs
trabalhando para Sérgio Cabral. Juntamos o material para denunciar o uso de
empresas no exterior para produzir mensagens e interferir nas eleições. Mas
naquela época era até um pouco esotérico denunciar as trapaças eletrônicas de
Cabral. Vejo em pesquisas realizadas no exterior que os partidos brasileiros já
utilizam esse mecanismo em grande escala, após a virada da década. Exércitos
nacionais e estrangeiros de robôs entraram em cena nas redes sociais.
A eleição de Trump, nos EUA, revelou como a
atmosfera é favorável à massificação das fake news. Existem suspeitas da
participação dos russos no processo americano. No momento em que o eixo das
campanhas se desloca da televisão para a internet, certamente os robôs terão
impacto maior agora do que em todas as outras. O único caminho, naturalmente,
será multiplicar o combate às fake news, o que já é feito pela
imprensa. Num processo eleitoral as coisas acontecem rapidamente, às vezes no
apagar das luzes, como os vazamentos contra Macron, na França.
Mesmo aqui, onde há problemas, reside também
uma novidade nas eleições de 2018. Mais do que nunca, milhões de pessoas podem
se informar sobre os fatos e compartilhar as suas ideias.
Se aquelas expectativas razoáveis se
confirmarem no Supremo, aumentam as possibilidades de boas eleições em 2018.
O fracasso do sistema político-partidário é
uma evidência para a sociedade. Candidaturas avulsas, grupos renovadores que
optem por entrar em partidos, enfim, vai se criando uma base para mudar.
É uma ilusão pensar que novos nomes sozinhos
modificam isso. Terão de se apoiar em parlamentares experientes que também
querem mudar. Ainda assim, não serão maioria. Mas se representam grande parte
da sociedade, jogam com 12, jogam com a torcida.
Pode parecer prematuro adiantar hipóteses
para 2018 num país com tantas surpresas. Mas os sinais são de que o ano acabará
sem grandes novidades. A segunda denúncia contra Temer caminha para ser
rejeitada na Câmara. Não se esperam surpresas por aí, as próprias crises do
hamletiano PSDB se parecem com as da primeira denúncia.
Segundo as pesquisas, grande parte da
população quer que ele fique até o fim do governo e, ao mesmo tempo, seja
investigado. Isso é impossível. Mas, pelo menos, dá um alento a quem votar
contra a denúncia. O famoso se ajeita comigo e dê graças a Deus.
J. BOSCO |
É nesse caminho que entra 2018, um ano que
vai exigir muito de nós. Será realmente a primeira grande eleição sob impacto
direto da Lava Jato. Ela contribuiu para que políticos e empresários saibam que
a corrupção é mais arriscada. Ela pode ter filtros e também receber sangue
novo.
Claro que todo o quadro depende de novas
crises. A do momento envolve Senado e STF. É possível aplicar medidas
cautelares contra deputados ou senadores? O Supremo proibiu Eduardo Cunha de ir
à Câmara e recolheu Aécio durante a noite. Como resolver essa questão, a não
ser pelo próprio Supremo? O embate é um novo centro de resistência às
investigações. Se não houvesse foro privilegiado, o STF não teria desgastes
pontuais, apenas definiria se juízes podem ou não aplicar medidas cautelares
contra acusados.
Se os Parlamentos tivessem resposta adequada
a cada caso de quebra de decoro, os juízes não precisariam adotar medidas
cautelares. Em alguns países o próprio acusado se afasta, em outros é afastado
pelo Conselho de Ética. A mensagem que a resistência ao Supremo passa é a de
que medidas devem ser submetidas ao Congresso.
Com as decisões punitivas restritas aos
comitês de ética e excluindo o STF, os parlamentares vão criar uma espécie de
limbo onde tudo se dissolve. Aliás, é nele que se dissolvem em discursos e
troca de favores as denúncias contra o presidente Temer.
Só mesmo em 2018 a sociedade poderá
responder a tantos anos de ultraje.
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