Cadê você, meu bem? Ilustração: 123RF |
ONDE
ESTÁ A DEMOCRACIA?
Com
3% de apoio popular, índice que se estende à
classe
política, o governo não reforma nem carro velho
Por
Ruy Fabiano
Blog
do Noblat
07/10/2017
A
reforma política recém-aprovada pelo Congresso consolida o descrédito da
sociedade em relação aos partidos e parlamentares. Trata-se, sobretudo, de uma
reforma que não reforma.
A
rigor, a única novidade importante que traz é a criação de um fundo eleitoral,
que não tem teto, só piso: R$ 1,7 bilhão
– o dobro do orçamento do Ministério da Defesa, que teve de retirar as tropas
do Rio por falta de recursos. O dinheiro acabou em setembro.
Os
recursos do fundo serão tirados do Orçamento da União. As emendas parlamentares
ao Orçamento, destinadas em regra a setores essenciais, como saúde, educação e
segurança pública, terão 30% de seus
valores desviados para bancar os custos de campanha.
Isso
pode ir bem além do valor previsto. Só para que se tenha uma ideia, no
Orçamento de 2016, as emendas impositivas de bancada destinadas à educação
somaram R$ 1,492 bilhão; à saúde, 4,4 bilhões; à infraestrutura, R$ 1,192 bilhão. Só com essas rubricas,
os 30% somam mais de R$ 2 bilhões. E
há muitas outras.
“O
fundo público não impedirá a velha prática
do
caixa dois e será gerido pela cúpula
dos
partidos. O crime organizado fortalecerá
sua
condição de doador e eleitor”
No
Orçamento de 2018, calcula-se que esse corte equivalerá a um mínimo de R$ 3 bilhões. Havia uma proposta
alternativa, do senador Ronaldo Caiado, que preservava integralmente o
Orçamento e retirava os recursos para o fundo da renúncia fiscal, decorrente do
horário eleitoral dito gratuito. Essa renúncia é de R$ 1,5 bilhão.
A
proposta extinguia esse horário, restringindo-o às emissoras estatais e às
redes sociais, a custo zero, proibindo ainda acesso pago às emissoras privadas.
Punha fim às produções hollywoodianas do horário “gratuito”, em que as grandes
estrelas são os marqueteiros.
E
ainda: restringia a propaganda nas emissoras estatais à presença do candidato,
ao microfone e à câmera. Olho no olho do eleitor. Claro, foi rejeitada, sem que
fosse sequer discutida.
O
Congresso, sem maiores controvérsias, preferiu deixar como está e investir no
orçamento, já de si comprimido pelo rombo legado pelos governos do PT – e que o
atual, sem autoridade moral, cogita em normalizar por meio de reformas que não
terá meios de empreender. Com 3% de
apoio popular, índice que se estende a toda a classe política, não se reforma
nem um carro velho.
A
proibição de doações de empresas aos partidos, estabelecida pelo STF, criou
essa situação. Em vez de corrigir as distorções, dando transparência às
doações, simplesmente as proibiu.
O
Congresso poderia ter suprido essa lacuna, estabelecendo, por exemplo, que uma
mesma empresa não pode doar a mais de um partido, como ocorre nos Estados
Unidos.
Ruy Fabiano |
Optou,
porém, pelo fundo público, o que não impedirá a velha prática do caixa dois e
será gerido pela cúpula dos partidos. O crime organizado, por sua vez,
fortalecerá sua condição de doador e eleitor.
Uma
mudança importante aprovada, o fim das coligações nas eleições proporcionais –
expediente que permite que um Tiririca traga consigo mais uma dúzia de sem
votos -, ficou para 2020.
Em
2018, teremos mais do mesmo. O máximo que se cedeu foi com a aprovação de uma
cláusula de barreira bastante tímida, que não propiciará uma redução
significativa das legendas de aluguel.
Para
compensar, no entanto, embutiu-se na reforma algo que, além de
inconstitucional, extrapola o seu universo de alcance: uma censura à internet.
Por ela, qualquer parlamentar que se sentir ofendido por uma informação, ainda
que verídica, poderá tirá-la do ar em 24 horas, mesmo sem autorização judicial.
Temer
promete vetá-la. É o mínimo.
De
quebra, adiou-se a adoção do voto impresso, colocando-se o eleitor mais uma vez
diante do imponderável. A Smartmatic, empresa que fabrica as urnas utilizadas
no Brasil, admitiu que são vulneráveis e que, na Venezuela, fraudaram as
eleições. E aqui?
Pela
teoria das aproximações sucessivas, mencionada pelo general Hamilton Mourão,
cujo retrato, em um banner de dez metros de altura, foi colocado esta semana em
frente ao Congresso, a crise avança cada vez mais. Democracia é o melhor
remédio para os males que ela mesma gera, não há dúvida. Mas por onde anda a
dita cuja?
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