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DEMOCRACIA
E AUTORITARISMO
A
desmoralização das instituições chegou ao ponto máximo.
Não
há paralelo com qualquer momento da nossa história
Por
Marco Antonio Villa
O
Globo – 10/10/2017
O
Brasil, ao longo da sua história, não teve uma cultura política democrática. 1889
não passou de uma solução de força.
Os
republicanos — apesar de 19 anos de propaganda, desde o manifesto de 1870 — não
passavam de pequenos grupos espalhados em não mais que cinco províncias. Sua
presença na cena eleitoral era mínima. Basta recordar o péssimo resultado na
última eleição no Império, a 31 de agosto de 1889. Elegeram apenas dois
parlamentares; os conservadores, sete; e os liberais, 120. Chegaram ao poder
através de um levante militar.
Numa
situação nacional e internacional distinta, em 1930, os insatisfeitos com a
Primeira República identificaram no golpismo o atalho para o poder.
As
rebeliões de 1922, 1924 e a Coluna Prestes foram demonstrações de que o voto e
o convencimento não faziam parte do ideário mudancista, independentemente do
sistema eleitoral, marcado pela fraude. Tanto que, no início dos anos 1930, o
vocábulo ditadura era utilizado de forma absolutamente positiva pelas
principais lideranças políticas.
Na
conjuntura de 1964, a defesa de uma saída militar para a grave crise política
estava presente em todo o espectro político. Raros eram aqueles — como
Francisco San Tiago Dantas — que apostavam na resposta democrática.
Durante
o regime militar, especialmente após o fracasso dos grupos de luta armada, no
campo da esquerda, o golpismo perdeu força; e no lado oposto houve a busca de
uma transição democrática iniciada — ainda que timidamente — pela distensão. A
inflexão, porém, pouco durou.
“O
sentimento de impotência domina o cidadão.
Fazer
o quê? Como participar da vida política?
Ou,
ao menos, como simplesmente votar? Em quem?
O
voto ainda tem valor? Muda alguma coisa?”
A
construção de um estado democrático de direito se transformou numa panaceia. A
Constituição de 1988, por mais paradoxal que pareça, é invocada por aqueles que
sistematicamente solapam a democracia.
O
acusado de corrupção — muitas vezes, em vídeos e áudios, aparece negociando
propinas milionárias — desdenha dos fatos. Em um primeiro momento, busca se
afastar das luzes, orientado por especialistas que se dedicam a esta atividade.
Depois chega o advogado — geralmente de um escritório com excelentes relações
com as cortes superiores de Brasília.
Ambos
sabem que o acusado é corrupto. Aproveitam até para cobrar um “plus”, pois o
criminoso está em situação delicada. Não perguntam, em nenhum momento, a origem
dos pagamentos pelos seus serviços. E quando conseguem evitar a prisão e a
condenação do político, o que geralmente ocorre, ficam ainda melhor
posicionados neste mercado antirrepublicano aguardando uma nova denúncia. E
isto se repete a cada semana.
O
cidadão, ao ver que o crime compensa, identifica no regime a raiz dos males.
Democracia deixa de ser o império da lei, transformando-se em sinônimo de
corrupção.
E
o que dizer das acusações que pesam sobre o presidente Michel Temer?
A
elite política vê com naturalidade a acusação de corrupção passiva, obstrução
da Justiça e formação de organização criminosa. Temer é aprovado por 3% da
população. E a vida segue como se tudo isso fosse normal, e não produto da
degeneração da democracia.
Quando
seus defensores jurídicos utilizam argumentos semelhantes aos da defesa de
Lula, não é mero acaso. É que os dois são produtos de um mesmo sistema.
Sistema
que levou ao segundo turno das eleições presidenciais de 2014 uma presidente
que perdeu o mandato por crime de responsabilidade e um opositor que, no
momento, está afastado do mandato de senador e é obrigado, por determinação
judicial, ao recolhimento domiciliar no período noturno.
O
sentimento de impotência domina o cidadão. Fazer o quê? Como participar da vida
política? Ou, ao menos, como simplesmente votar? Em quem? O voto ainda tem
valor? Muda alguma coisa?
A
desmoralização das instituições chegou ao ponto máximo. Não há paralelo com
qualquer momento da nossa história.
O
longo domínio petista colaborou em muito para chegarmos a esta situação. Mas
não é o único responsável. Basta citar os escândalos do atual governo. A
questão, portanto, não é partidária, mas estrutural.
Frente
a esta conjuntura, a resposta do cidadão é encontrar uma solução rápida, que
considera eficaz. Entende que no sistema que aí está, não há nenhuma
possibilidade de mudança.
A
cada momento em que o estado democrático de direito é invocado por um advogado
de corrupto, cresce ainda mais a intolerância à democracia. Uns passam a
considerar o golpe militar como a redenção do país; outros defendem o
separatismo — é, o separatismo voltou — como meio de acabar com a corrupção e a
insegurança.
Marco Antonio Villa/Agência Estado |
Citar
a Constituição vai ficando um discurso vazio, pois não há uma relação entre a
Carta Magna e o cotidiano. Todo arcabouço legal construído nas últimas três
décadas não tem, para o cidadão, aplicação prática.
Quando
milhares de policiais e soldados, com auxílio das Forças Armadas, não conseguem
sequer capturar um bandido — como no recente caso da Rocinha e o marginal
Rogério 157 — o cidadão pergunta: para que serve esta tal de democracia?
O
regime democrático somente é compreendido como algo que está a serviço da
cidadania quando, ao menos, demonstra eficácia legal e administrativa. Não é o
caso atual. A fratura entre a sociedade civil e o Estado cresce a cada dia.
De
nada adianta negar a crise. Isto só alimenta o autoritarismo.
Michel
Temer quer — e deve conseguir — impedir que o STF aprecie a segunda denúncia da
PGR. Os parlamentares só pensam na eleição do ano que vem e de como vão manter
seus mandatos e seus negócios. O STF — “guardião da Constituição” — continua
tomando decisões absurdas.
E
a democracia pode estar dando seus últimos suspiros derrotada pelo
autoritarismo.
***
Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos (1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993). É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia (USP) e Doutor em História (USP)
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