Ilustração: arquivo Google |
O
MISTÉRIO DA CAVERNA
Toda
a majestosa máquina de combate à corrupção
e ao
crime de colarinho branco não consegue
explicar
o dinheiro do ex-ministro Geddel
Por
J. R. Guzzo
VEJA.ABRIL.COM.BR/BLOG/FATOS
14/10/2017
De
quem é, afinal das contas, a montanha de dinheiro socada pelo ex-ministro
Geddel Vieira Lima na caverna de Ali Babá que instalou num apartamento alugado
de Salvador? Geddel já está preso há mais de um mês no presídio da Papuda, em
Brasília, logo depois que a Polícia Federal descobriu e confiscou as 14 malas e
caixas atochadas de dinheiro vivo, num total de 51 milhões reais, que ele tinha
enfurnado no seu esconderijo. Mas até agora ninguém faz a menor ideia de onde
veio e para onde iria um único centavo dessa fortuna, ou quem é de fato o seu
dono. Em quarenta dias de intenso trabalho de investigação (imagina-se que o
trabalho esteja sendo o mais intenso possível, num caso monstruoso como esse),
as nossas autoridades policiais e judiciárias conseguiram, até agora,
apresentar um grande zero para a soma total de seus esforços.
O
ex-ministro e seus advogados não disseram até agora uma sílaba sobre o assunto.
Geddel não diz se o dinheiro é dele. Não diz se não é. Não diz nada – como,
aliás, é do seu direito. Ele não é obrigado a contar coisa nenhuma – a polícia
e o Ministério Público, eles sim, é que têm a obrigação de descobrir o que
aconteceu. Tiveram o notável mérito profissional de achar o covil onde se
escondia a dinheirama, sem dúvida. Também estabeleceram que há impressões
digitais de Geddel nas notas apreendidas – o que não chega, francamente, a ser
uma surpresa espetacular. Mas fora isso não se esclareceu mais nada. O dinheiro
da caverna pertence apenas a Geddel? Ou ele tem sócios nesse capital? Quem
seriam eles? Outra coisinha: qual a origem do dinheiro? Ele foi incluído na
declaração do Imposto de Renda de Geddel referente ao ano-base de 2016? Veio de
atividades honestas de um capitão de indústria, comércio, agropecuária ou
serviços? Agora, se os 51 milhões não aparecem da declaração do I.R., por
alguma razão deve ser. Será que a bolada teria vindo (que horror) de alguma
fonte ilícita – ou será que Geddel divide sua propriedade com outros tubarões
tão grandes quanto ele, ou até maiores? Santo Deus.
E
a época em que toda essa grana foi realmente ganha, então? Eis aqui outro
enigma espantoso, que talvez permaneça sem solução pelos próximos 1.000 anos,
como nas histórias sobre a tumba do faraó. Será que Geddel amontoou todos os 51
milhões apenas durante os seis meses em que foi ministro de Michel Temer? Ou
uma parte veio do seu vice-reinado na Caixa Econômica Federal, durante quase
três anos, no governo Dilma Rousseff? Será que um pouquinho, talvez, não tenha
rolado no governo do ex-presidente Lula, de quem foi ministro por mais de três
anos inteiros? Uma criança de dez anos de idade, se for um pouco mais atenta,
seria capaz de fazer essas perguntas. Mas todo o majestoso monumento da máquina
pública brasileira, que é pago para garantir o cumprimento da lei e a prestação
de justiça, não respondeu nada em 40 dias. Não se trata de uma mixaria. O
ex-poderoso gigante da “base aliada” durante os mais de treze anos dos governos
Lula-Dilma entulhou em sua caverna secreta o equivalente a cerca de 16 milhões
de dólares; é coisa para se carregar em contêiner. Ninguém está dizendo que é
dinheiro roubado, claro, não ainda – mas, se porventura fosse, a soma estaria
entre as que foram conseguidas nos dez maiores roubos da história, segundo as
listas mais populares em circulação.
J. R. GUZZO |
Temos
neste país polícias federais, estaduais, municipais, militares, civis,
procuradores, promotores, corregedores, juízes, desembargadores, ministros e
por aí afora – uma multidão que chega a deixar a gente tonto. Só nas polícias
há no Brasil, hoje, entre 550.000 e 600.000 homens, segundo os levantamentos
mais recentes. Os gastos totais com eles andam perto dos 80 bilhões de reais
por ano – sem contar o que consome o Poder Judiciário. É óbvio que não podem
fazer tudo, e que fazem muito. Mas um caso grosseiro como o dos 51 milhões de
Geddel não poderia ficar como está. Talvez esperem uma delação dele. Talvez
esperem algum fenômeno que está fora do conhecimento público. Talvez tudo acabe
muito bem explicado. Mas até agora há apenas um vazio.
Os
procuradores mais militantes do Ministério Público em Curitiba, neste momento,
têm lamentado muito o roubo de dinheiro publico, do tipo “Open 24 horas”, que
mantém em funcionamento a vida pública do Brasil. Os ladrões estão “sob suprema
proteção”, disse um deles, referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal
que mandou de volta para o Senado a tarefa de punir ou perdoar o senador Aécio
Neves – pego numa fita gravada extorquindo 2 milhões de reais de um criminoso
confesso e bilionário. O STF “curvou-se a ameaças dos políticos”, afirmou um
outro. Tudo bem. Mas nunca lhe ocorre que uma parte do problema da impunidade
está na incompetência do Ministério Público, e dos investigadores de crimes em
geral, no trabalho de produzir provas reais contra um Geddel Vieira de Lima,
por exemplo. Não dá para esperar muito dos cruzados quando a cruzada que fazem
deixa do mesmo jeito um mistério tão rasteiro – como esse que assombra a
caverna do ex-ministro de todos os governos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário