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OCASO DO PODER CIVIL
Por
Ruy Fabiano
Blog
do Noblat
14/10/2017
- 01h30
Em
1985, os militares deixaram o poder e voltaram aos quartéis; em 2017, os
políticos temem deixar o poder e ir para a cadeia. É um desfecho patético para
32 anos de governo civil, o mais longo período de democracia desde a
proclamação da República.
Mas,
goste-se ou não, é o que há. O ciclo civil corre o risco de interrupção pela
rejeição crescente que provoca na opinião pública. Pesquisas diversas atestam a
descrença da população em seus representantes, na escala dos 80% a 90%, sem
distingui-los.
A
descrença derivou dos políticos para a política. E é disso que se nutrem os que
postulam uma intervenção militar, como em 1964. Ocorre que, se há muita coisa
em comum entre um período e outro – corrupção, desordem, subversão, desemprego –
há também muitas diferenças. Nestes 53 anos, o mundo mudou radicalmente.
No
tempo da Guerra Fria, era menos complexo. O mundo estava dividido em dois, EUA
e URSS; ou se estava de um lado ou de outro, capitalismo ou comunismo. A Igreja
Católica, que era anticomunista – e hoje não é mais –, fazia toda a diferença:
tinha presença forte na cena pública, inclusive na esfera intelectual.
Seu
apoio foi decisivo - e não era isolado. Empresários, profissionais liberais,
imprensa, intelectuais, artistas, entidades como ABI, OAB e Fiesp, para citar
só algumas, estavam perfiladas contra o governo João Goulart, cuja posse, três
anos antes, em face da renúncia de Jânio Quadros, já fora cercada de grande
resistência e quase desemboca em guerra civil.
Foi
preciso improvisar uma solução parlamentarista, que durou um ano. O retorno do
presidencialismo acirrou os ânimos e a crise econômica fez o resto. Havia ainda
sinais claros de que Jango (ou o seu entorno) preparava um golpe. Brizola, que
era o Lula de então, dizia que o Congresso era um clube e que precisava ser
fechado.
Ruy Fabiano é jornalista |
O
Congresso, pois, em sua imensa maioria, apoiava a queda do governo – e, após
decretá-la, votou maciçamente no marechal Castello Branco. Entre outros,
Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Juscelino Kubitschek. Hoje o quadro é
outro. A globalização pulverizou os antagonismos. Os atores da geopolítica
internacional são mais numerosos – e o Brasil saiu da esfera de alinhamento
automático com os EUA e diversificou seus parceiros.
A
China é, hoje, seu principal mercado. Os próprios EUA vivem divisão ideológica
interna sem precedentes, de que dão testemunho a tumultuada eleição e o risco
de ingovernabilidade de Donald Trump.
Os militares brasileiros, pressionados por
grupos civis de intervencionistas, estão cientes dessa complexidade, que
imporia ações diplomáticas difíceis, com riscos de retaliação externa e luta
interna aguerrida, como assinalou o general Hamilton Mourão.
Jango
governou menos de três anos; não teve muito tempo para organizar o seu exército
revolucionário. O PT governou quase 14 anos; teve mais tempo e meios de
aparelhar a máquina estatal e costurar alianças que tornam mais cruenta a
perspectiva de reação às Forças Armadas – e poriam o país diante de uma guerra
civil.
Em
1964, não havia uma entidade como o Foro de São Paulo, que há 27 anos planeja –
e executa - a ocupação ideológica do continente pela esquerda. Se não concluiu
a obra, o Foro estabeleceu avanços consideráveis, que não são subestimados
pelos militares.
Há
ainda o crime, que naquela época não era organizado, nem dispunha do arsenal
propiciado pelos bilhões do narcotráfico – e nem estava articulado com alguns
partidos políticos do continente.
Nada
disso, dizem as mais graduadas patentes do Exército, impedirá uma ação, desde
que o clamor da sociedade se mostre nítido e insofismável. Até aqui, as
manifestações intervencionistas, nos seus melhores dias, reúnem no máximo 30
mil pessoas. É pouco.
“A
esta altura, no entanto, o público não consegue
Dissociar
na verborragia jurídica o que é legal do que é
cumplicidade. E aposta na
cumplicidade”
A
mídia investe na solução política da crise e ignora a movimentação dos que
defendem a ruptura - e que têm seu protagonismo restrito às redes sociais. Ali
fazem muito barulho, mas nas ruas pouco. E é ali que a política trava suas
batalhas decisivas.
A
chave, no entanto, está com o Judiciário. O clichê segundo o qual as
instituições estão funcionando, em face das prisões que alguns poucos juízes,
como Sérgio Moro, têm decretado a figurões da política e do empresariado, é o
que sustenta a normalidade.
Mas
também aí o protagonismo do STF, em regra visto como negativo mesmo quando tem
razão, dá substância à teoria das aproximações sucessivas, do general Mourão. O
STF tem sido visto como uma espécie de coveiro da Lava Jato.
A
semana se encerrou com a leitura de um parecer da Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, de autoria do deputado Bonifácio de Andrada, propondo o
arquivamento da segunda denúncia de corrupção contra o presidente Temer.
O
STF, por sua vez, reconheceu, por 6 a 5, que não pode suspender mandatos de
parlamentares – prerrogativa do Congresso. Está na Constituição e não se refere
apenas a Aécio Neves.
A
esta altura, no entanto, o público não consegue dissociar na verborragia
jurídica o que é legal do que é cumplicidade. E aposta na cumplicidade. Nesses
termos e nesse ritmo, o desgaste do poder civil, no país que mata mais civis no
mundo – cerca de 70 mil por ano -, avança cada vez mais. E a dúvida permanece:
chegaremos a 2018?
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