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MINHA PÉSSIMA
ESCOLHA DE AMIGOS
Com
evidente talento para bons negócios e truques financeiros,
eu
teria feito fortuna na vida política
Por
Walcyr Carrasco
Época
Digital – 26/09/2017
Não sei escolher amigos. Diante do
noticiário, descubro que amizade, real e verdadeira, é diferente de tudo que eu
pensava. Vejam bem. O amigo do Aécio, segundo uma gravação, arruma R$ 2 milhões para ele pagar o advogado.
O do Cunha, também segundo uma gravação, entrega uns R$ 500 mil por semana. Um
amigo do Lula arruma tríplex, reforma. Sítio também. E ainda paga R$ 200 mil por palestra. Outro, em um
vídeo, fala que destinou US$ 70 milhões
ou US$ 60 milhões a Lula e outro
tanto a Dilma. Os do Geddel enchem um apartamento de malas e caixas de grana.
Meus amigos só perguntam se estou bem. Ouvem meus desabafos. Trocam WhatsApp.
Muito de vez em quando, pagam um jantar. Mas no próximo a conta é minha. É o
que digo, não sei mesmo escolher amigos.
Tive a chance de progredir no caminho do
ganho rápido, por meio de amigos. No meu primeiro ano de escola, aos 7, eu
estava inocentemente no recreio. Um amigo da classe aproximou-se e me ofereceu
um relógio. A princípio eu não queria, mas ele insistiu tanto que comprei pelo
equivalente a um pacotinho de balas. Cheguei em casa todo feliz com meu novo
relógio, de adulto.
Meus pais examinaram.
– Esse relógio vale muito mais – disse meu
pai.
– Amanhã você leva na escola e entrega para
a professora – exigiu mamãe.
Chorei, bati o pé. O relógio era meu! Não
teve jeito. No dia seguinte, mamãe o embrulhou em papel de seda. Entreguei. O
relógio era roubado! Meu amiguinho acabou saindo da escola. Chorei loucamente
enquanto levavam meu precioso relógio. Frustrado, meu primeiro golpe! Poderia
ter ido longe, começando tão bem aos 7 anos! Em breve possuiria uma coleção de
relógios. Aos 10 talvez já tivesse um sítio em Atibaia!
Divulgação |
Mais tarde, tentei desenvolver meu talento,
outra vez. Eu passava as férias na casa
de meus primos. Certo dia, titio deu 2 cruzeiros a meu primo e 1 para mim.
Fiquei ressentido, óbvio. Melhor 2 do que 1, pensei com a lógica elementar de
um Geddel. Na tarde seguinte, falei um bom tempo com meu priminho. Provei que a
nota de 1 era mais bela que a de 2. Ele trocou! Não houve constrangimento. Meus
argumentos eram bons, acredito. Feliz com meus 2 cruzeiros, fui comprar doce na
padaria.
Mas meu priminho me delatou! Contou ao pai.
Titio premiou a delação com mais dinheiro para ele. E levei uma bronca
inesquecível.
– Isso é golpe! – afirmou.
Não tive como me defender, já que sabia
perfeitamente a diferença entre 1 e 2. Fiquei sem ganhar mais nada o resto das
férias. Logo fiz as pazes com meu primo, claro. Uma delação premiada faz parte
da vida, penso com uma lógica bem atual.
Desde então, travei. Admito hoje que foi uma
falha na minha educação. Com tão evidente talento para bons negócios e truques
financeiros, eu teria feito fortuna na vida política. Estou satisfeito como
escritor, não posso me queixar. Mas quanto eu teria hoje, escondido em algum
paraíso fiscal? Quem sabe até uma banheira cheia de cédulas, para me banhar
como o Tio Patinhas. Mas não. Meus amigos trabalham. Pagam prestações. Compram
a crédito. Eu bem poderia ter escolhido outra turma. E daí se fosse dois ou
três anos para a Papuda? Aproveitaria o tempo para reler os clássicos.
“Tivesse
desenvolvido meu talento, hoje já estaria
no mínimo
fazendo uma delação premiada.
Quem tem o
que delatar, tem o que guardar,
eis minha
lógica”
Só adulto tomei conhecimento dessa categoria
de amigos generosos. Mas não na política. Eu trabalhava na extinta TV Manchete.
Escrevia uma minissérie, baseada em O Guarani,
de José de Alencar. Procurávamos índias. Ou seja, moças morenas que aceitassem
ficar seminuas para compor a tribo de Peri, o herói. Mais necessária era a
nudez que uma grande interpretação. As índias falavam somente algumas frases em
um tupi claudicante, escrito por mim mesmo a partir de um dicionário. Tive uma
longa conversa com uma candidata muito bonita, morena de olhos verdes. Um
delírio de mulher.
– Não importa o salário, quero fazer
televisão – disse ela. Tenho um amigo que me dá tudo. Outro dia me deu um carro
zero.
Admirei-me com tanta generosidade. Dos meus
amigos, nunca recebi um par de patins! Ao longo da vida, conheci outras moças –
e rapazes – que ganhavam apartamentos. Joias e Rolex. Mas isso é bobagem perto
de amigo de político. Esses sim são generosos!
Tivesse desenvolvido meu talento, hoje já
estaria no mínimo fazendo uma delação premiada. Quem tem o que delatar, tem o
que guardar, eis minha lógica. Mas estou aqui, de noite, teclando. Culpa de
mamãe, papai e titio, que me fizeram honesto!
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