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Ilustração: arquivo Google |
ESPIRRANDO A
CRÔNICA
Já
teve várias gripes com nomes de mulheres famosas, que vinham
acompanhadas
da devida explicação: é porque leva direto pra cama.
Uma
maldade. Peguei a Xuxa, entre outras
Por
Mário Prata
Estadão
– 03/09/2003
Daquelas danadas, sabe como é? Das que
derrubam. Te deixam na cama. Pois é onde deveria estar agora se tivesse uma
outra profissão qualquer. Ligava para o serviço e, se precisasse, até arrumava
um atestado médico. Dependendo da situação, faturava dois ou três dias.
Mas estou aqui, com o nariz escorrendo,
depois de algumas pílulas e uns chás que uma boa samaritana me fez.
Estou dizendo isto porque sei que tem muita
gente com gripe nestes dias frios. E esta gripe já deve ter nome. Sim, gripe
que se preza logo tem um nome, já notou? Se não, é resfriado mesmo.
Me lembro quando era garoto, 13 anos,
interno num colégio de padres, quando apareceu a Gripe Asiática. Acho que foi a
mais famosa do século passado. Era tão danada que antes de chegar já era
famosa. Claro, como o nome diz, começou lá na Ásia. E veio vindo. Os jornais
anunciavam que ela já estava na Europa.
Aqui, no terceiro mundo, a gente se
preparava para enfrentar a gripe que vinha de longe, a gripe famosa no mundo
todo. E quando ela chegou, derrubou todo mundo. Foi um orgulho para todos nós.
Estou revendo agora o dormitório do internato cheio de garotos deitados. Febre
alta, aulas suspensas, um horror. Ninguém morreu, mas todo mundo deitou.
Me recordo de uma outra gripe famosa, a
Calabar. Chamava assim porque era traiçoeira. Começo dos anos 70, auge da
ditadura militar. Eu trabalhava na Última
Hora quando ela chegou em São Paulo, vindo do norte. Os militares mandaram
um telex para todas as redações do país proibindo terminantemente que se
escrevesse no jornal o nome da gripe que derrubava todos nós, inclusive – acho
– os milicos. Não podia escrever Calabar nos jornais, nem dizer nas rádios, nem
nada.
Explico: Chico Buarque e Ruy Guerra haviam
escrito uma peça chamada Calabar e a
Censura Federal a proibiu. Não podia nem ser lida. Aí os militares começaram a
achar que falar na gripe Calabar era provocação para todo mundo lembrar do
Chico e do Ruy. Talvez você não acredite nesta história, mas quem trabalhava
nas redações naquela época pode confirmar.
Já teve várias gripes com nomes de mulheres
famosas, que vinham acompanhadas da devida explicação: é porque leva direto pra
cama. Uma maldade. Peguei a Xuxa, entre outras.
Dei uma geral agora na Internet para ver se
esta minha gripe já tem nome, pois, já disse, gripe sem nome, pra mim, é
resfriado. E, apesar de todo mundo estar com ela, ainda não tem, não.
Pouco sei sobre gripes, apesar de ser filho
de médico. Sei que a palavra tem origem francesa. Donde se conclui que foi lá
que surgiu o vírus? Tem cara de francesa mesmo esta doença. Passou por Portugal
e chegou aos nossos índios matando boa parte deles. Entradas e Bandeiras, se
chamava a gripe naquela época.
Hoje em dia até o Bin Laden já virou nome de
gripe: quando você pensa que acabou, ela volta mais surpreendente ainda.
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Mario
Prata é escritor, dramaturgo, jornalista e cronista brasileiro. É natural
de Uberaba (1946), Minas Gerais, mas viveu boa parte da infância e adolescência
em Lins, interior de São Paulo. Em mais de 50 anos de escrita, tem no currículo
3 mil crônicas e cerca de 80 títulos, entre romances, livros de contos,
roteiros e peças teatrais. Na carreira, recebeu 18 prêmios nacionais e
estrangeiros, com obras reconhecidas no cinema, literatura, teatro e televisão. Fonte: site oficial do autor