-- Mafalda, às vezes, tenho a impressão de que o mundo vai acabar em breve. Se é que já não
acabou, e a Globo se fez de morta, para não espantar os anunciantes.
-- Por que esse pessimismo todo, criatura. Nem
parece mais o Velho marinheiro, o Lobo do mar de outrora. Passa horas esfolando
esse dedão em busca de um bicho de pé que os médicos já lhe garantiram que não
existe.
-- Não é pessimismo, Mafalda. É pura constatação. Você viu o que
aconteceu aqui ontem, domingo, em nossa casa?
-- Ora, aconteceu o que sempre acontece aos domingos
aqui, meu velho: casa cheia de filhos, netos, namorados e namoradas de uns e
outras. Mesa farta, graças a Deus.
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-- Além de surda, você anda desatenta demais, nunca
foi assim, deve estar com uma dessas doenças modernas. Será que não viu o
comportamento deles? A casa estava lotada, mas sem ninguém. Eles só se falam
pelo computador. Vão acabar fazendo filhos pela internet. Saem os bebês de
proveta, entram os nenéns de notebook. De vez em quando, um dá uma risada, e
outro gargalha também. Ninguém sabe o motivo de tanto riso. Vai ver que riem de
nós dois – dois velhos bestas.
-- É a modernidade, bobalhão. Queria que as moças
passassem a tarde fazendo tricô, como nos nossos tempos? Que passassem o dia
fazendo quitutes? Francamente.
-- Modernidade uma pinoia. É falta de educação ficar
estirado, tarde todinha, no sofá dos outros. Daqui a pouco, não vou ter onde me
sentar. Ninguém tira o prato da mesa. Ninguém lava um copo. Nem filhos. Nem
visitas. Nem ninguém. Sobra pra você arear as panelas – e, pra mim, enxugar e
guardar a louça. Aonde vamos parar? O mundo vai de mal a pior.
-- Pessimista.
-- Pessimista uma ova. Ainda vou encontrar o bicho do pé. Só para desmoralizar os médicos. (2013)
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