Aristides Guimarães
A
VOZ DE UM CANTOR
(Por Clóvis Campêlo) Tudo em
Aristides Guimarães nos acalma. Inclusive os blues. Aristides não tem pressa.
Nunca teve. Aristides é zen. Talvez por isso tenha se mantido tão jovial ao
longo do tempo. Talvez por isso, só tenha lançado o seu primeiro disco em 2006.
Essa espera, porém, não nos
trouxe desvantagens. Pelo contrário. O seu trabalho é um trabalho de quem nunca
fez concessões ao sistema; de quem nunca se preocupou em atender aos anseios,
nem sempre escrupulosos, da mídia. É um trabalho limpo.
Essa atitude transparece já
na primeira música, Branca de Rendas, onde, cercado de ventos, o artista se
permite ajeitar as pastilhas de plástico colorido de uma pulseira encontrada
nas areias da praia de Pitimbu.
Essa mesma ausência de
pressa diante da vida o leva a observar, da janela de casa, as luzes coloridas
dos semáforos e o silêncio da noite, em De Madrugada.
Esperar, aliás, é um dos
verbos mais conjugados nas letras das composições. Esperar a passagem do sol,
da chuva, de um amor duvidoso (Passageiro do Sol). A espera, inclusive,
demonstra a passividade zen do indivíduo-observador diante da vida. Aqui, o verbo
não significa ação. Significa tolerância, quietude e equilíbrio.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Em entrevista ao Programa
Sopa Diário da TV Universitária, em 22/3/2006, quando do lançamento do seu CD,
Aristides comparou-se ao compositor Cartola, na arte de esperar, que só veio a
gravar o primeiro disco aos 70 anos de idade.
Eu iria mais longe nessa
comparação. As músicas de Cartola sempre nos falam do momento posterior aos
conflitos emocionais vividos pelo poeta quando o horizonte já se mostra
novamente promissor e radiante.
Em Aristides, vamos
encontrar a mesma atitude: é sempre latente o prazer de olhar o ambiente e os
objetos ao seu redor (a cidade parada de madrugada, a chuva invadindo o chão da
casa, a lua flutuando acima do prédio). Nesse cenário, Aristides movimenta-se
com cuidado, com cautela, embora absolutamente à vontade, para que não se
quebre o encanto e o equilíbrio destes instantes mágicos do poeta consigo
mesmo. Até mesmo a ausência da pessoa amada é cantada com esperanças de
realizações futuras.
O único momento
evidentemente nostálgico do disco vamos encontrar em Acalma um Blues. Mas, aí
não é a "voz" de Aristides que se manifesta e sim a do parceiro
Geraldo Maia.
Ilude-se, porém, quem acha
que, na sua passividade zen, o compositor é apenas intuitivo e não tem um
"norte" na elaboração das suas músicas. Embora não faça concessões,
Aristides usa com desenvoltura todas as opções disponíveis na hora de compor
("gosto de samba, rock, funk, de maracatu e blues"). Isso fica claro
em A Linha da Raiz.
Para finalizar, gostaríamos
de falar sobre a música Você Roubou os Meus Segredos, remanescente dos tempos
do Laboratório de Sons Estranhos (LSE). Despida da roupagem pop daquela época,
ganhou um excelente arranjo de Fernando Barreto, com direito a metais em surdina
e tudo o mais.
Por tudo isso, Aristides
Guimarães elaborou um disco com pretensões de tornar-se cult.
Quem experimentou, viu!
PS.:
Texto escrito em 2006 quando do lançamento do CD do cantor e compositor e
postado originalmente no blog Inútil Paisagem.
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